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Babados da hora

32 anos do I Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas

Origem: Red de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de la Diáspora
Imagem do I Encontro. Acervo: http://www.mujeresafro.org/

Por Leona Wolf

Em 25 de Julho de 1992 ocorreu, em Santo Domingo, na República Dominicana,  o I Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas. O encontro estabeleceu a data como o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Os planos para uma organização de Mulheres Negras Latino Americanas e Caribenhas derivam de um histórico de tensões raciais e exclusões no interior dos movimentos feministas Latino-Americanos e da busca de organização, um histórico de margens e silenciamentos.

“Nos encontros e congressos feministas brancos, mulheres negras eram frequentemente consideradas “agressivas” ou “não feministas” por conta de sua insistência em que o racismo precisava ser parte da luta feminista, já que, assim como o sexismo, era igualmente uma forma estrutural de opressão e exploração. A questão da exploração das trabalhadoras domésticas majoritariamente negras por suas empregadoras tampouco foi bem recebida na agenda do movimento de libertação das mulheres; argumentava-se que ao receberem remuneração elas estariam “liberadas” para o engajamento na luta das mulheres. E se a violência policial perpetrada contra homens negros era denunciada, a resposta era que a violência da repressão contra organizações políticas de esquerda era muito mais importante. Em última análise, apenas setores específicos do movimento tornaram-se apoiadores das reivindicações das mulheres negras.” (GONZALEZ, 2020)

Na Colômbia, como aponta Marysa Navarro (1982), a ideia da realização do I Encontro Feminista e Latino-Americano e do Caribe, ocorrido em Bogotá em 1981, havia nascido dois anos antes, diante do crescimento do ativismo feminista na região e a ênfase nas questões da mulher desde o Ano Internacional das Mulheres. A iniciativa do encontro partiu do grupo venezuelano La Conjura, sendo preparado por mulheres e grupos independentes, como o Círculo de Mujeres, Mujeres en Lucha, El Grupo, as mulheres da do PSR e as do PST. No entanto, como apontam Sternbach et. al (1994), as mulheres dos movimentos, que compunham grande parte do ativismo na Colômbia, em maioria negras, ficaram ausentes dos debates que lá se construíram. O encontro, divulgado pelas redes feministas internacionais constituídas, alcançou principalmente mulheres brancas, de classe média e com formação universitária. Em 1982 no Segundo encontro em Lima se acirraram as tensões entre movimentos feministas (em maioria brancos e universitários) e movimentos de mulheres (em maioria de mulheres negras e ligadas a setores populares em movimentos por infra-estrutura urbana, creches, acesso à educação e saúde). O que se acusava era que os movimentos de mulheres apresentavam questões “pouco feministas”. Quase não haviam mulheres indígenas, operárias ou de mulheres da América Central, é nesse encontro que, em busca de visibilidade, organizações lésbicas realizaram uma oficina que assinalou o surgimento da visibilidade lésbica dentro dos movimentos feministas transnacionais. Uma mini-oficina sobre racismo, com menor adesão, contando quase que somente  com as poucas mulheres negras e indígenas que estavam no evento, em que discutiram a falta de espaço no encontro e nas organizações feministas para discutir o enfrentamento do racismo.

Em Bertioga, em 1985, o encontro ganhou os contornos do “racismo à brasileira”, em que se barrou a participação de um ônibus de mulheres, vindo das favelas cariocas, se afirmando que “não era racismo”, mas que possivelmente alguém estaria manipulando as “faveladas”. Ativistas dos recém formados movimentos de mulheres negras denunciavam que barrar as “faveladas” expressava o racismo que impregnava o feminismo brasileiro. As lésbicas, isoladas, se reuniram de portas fechadas e em Taxco, no México, em 1987, realizaram seu próprio encontro antes de sua participação no encontro oficial. Ainda em Taxco, houve uma significativa diminuição do número de mulheres negras e indígenas. A taxa de inscrição havia se tornado impeditiva mesmo para mulheres de classe média. Haviam reclamações de uma “invasão da América Central” e se tentava desestimular a presença das “chicanas”, imigrantes latino americanas que viviam nos EUA. Havia o crescimento de uma tensão constante de demandas populares em relação a organização de um evento que tentava se focar apenas em questões “feministas” e “reprodutivas”. O feminismo tocava mulheres relacionadas a lutas sindicais, por infra-estrutura urbana, movimentos camponeses, traziam problemas sobre exclusões raciais, xenofobia, lesbofobia e não havia espaço para elas. Como em 1975 no Brasil, as demandas de mulheres para quem, o acesso à escola, urbanização, creches, moradia não se separaram dos direitos das mulheres era silenciada e as demandas de mulheres negras, incluindo agora do Caribe, eram tratadas como “menos feministas”. Em San Bernardo, Argentina, em 1990, mulheres indígenas se manifestaram contra sua participação nos eventos comemorativos do “descobrimento da América” e exigiram que a data de 11 de outubro fosse considerada “dia das mulheres indígenas”, o que levou 12 de outubro a ser considerado depois “dia dos povos originários”. As lésbicas debateram a homofobia no interior dos espaços feministas e traçaram o plano de um Encontro de Lésbicas Latino-Americanas e Caribenhas e começou a se discutir uma organização Latino Americana e Caribenha de Mulheres Negras que se concluiu no I Encontro de 1992. As tensões raciais continuaram em continuam. O 25 de Julho é uma data para se pensar a especificidade da luta das mulheres negras e sua busca de visibilidade dentro de um movimento feminista amplo que, sem pensar os atravessamentos que incorrem na vida das mulheres, negras, lésbicas, camponesas, “faveladas”, reproduz em seu interior as dinâmicas de opressão de sociedades altamente excludentes.

Referências:

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo Afro-latino-americano. in: GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo Afro Latino Americano. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

NAVARRO, Marysa. El primer encuentro feminista de Latinoamérica y el Caribe. in: LEÓN, Magdalena (ed.). Sociedad, subordinación y feminismo. Debate sobre la mujer en América Latina y el Caribe: Discusión acerca de la Unidad Producción-Reproducción, Vol. III. Asociación Colombiana para el Estudio de la Población, Bogotá: 1982.

STERNBACH, Nancy Saporta et. al. Feministas na América Latina: de Bogotá a San Bernardo. Revista Estudos Feministas, nº2, 1994. p. 255-295 Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16213/14762.

Sítio que se constituiu a partir dos encontros: http://www.mujeresafro.org/sobre-nosotras/nuestra-historia/

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