Plano Museológico

Construindo Pontes do Passado ao Futuro

Definição

Constituição

O Museu Bajubá tem a sua origem nos Roteiros pelos Territórios de Resistência e Memória LGBT do Rio de Janeiro, inaugurados em 2012 e divulgados através do blog Memórias e Histórias das Homossexualidades. A sua concepção principia a ser divulgada em 17 de julho de 2018, no Seminário Museu Queer, promovido pelo Museu da Diversidade Sexual de São Paulo, em parceria com o Sistema Estadual de Museus (SISEM-SP), e em 29 de junho de 2019, na ALMS Conference, em Berlim.

Com o apoio técnico do grupo de Museologia Experimental e Imagem (MEI) da UniRio, nas pessoas do professor doutor Bruno Brulon e da acadêmica de Museologia Thalyta Souza, com a participação de outros atores igualmente comprometidos com a cidadania cultural LGBTI+, componentes de seu quadro societário em constituição, foi elaborado o presente Plano Museológico do Museu Bajubá, com validade de dois anos.

Seu quadro social está sendo constituído por pessoas integrantes e de fora da comunidade bajubá, de variada formação, experiência profissional e pessoal e incidência política na sociedade, situadas em diversos pontos do país. Com isto, busca-se garantir a visão ampla e uma gestão dinâmica e profissional, sem perder a irreverência e o humor característicos da comunidade.

O Museu Bajubá já conta com registro no Museus.br, plataforma do governo federal, sob o número 5.31.01.6927, nº SNIIC: SP-21271. 

Gestão

Missão

Valores

Democracia – Cidadania – Reparação histórica – Educação – Pesquisa.

Público

Visão

Defende a ideia da cidade como um grande e rico acervo museológico a céu aberto, com as suas muitas e diversas camadas, sobrepondo formas de ser e viver, ideologias, gerações, modismos, apagamentos.

A presença das pessoas LGBTI+ (suas formas de viver, resistir, criar e amar) inscrita no espaço da urbe constitui o patrimônio musealizado. Tem-se, assim, um museu vivo, em movimento, composto pelo espaço mesmo das cidades.

Seu acervo, portanto, compõe-se dos territórios conquistados à sociedade normativa por sodomitas, uranistas, bagaxas, afeminados, invertidos, frescos, viados, lésbicas, fanchonas, entendidas e demais dissidências de sexo e de gênero: ruas, calçadas, esquinas, endereços, áreas geográficas, edificações, conjuntos arquitetônicos e equipamentos – existentes e destruídos (morros, praias, mictórios públicos, estacionamentos) que documentam a vida e incentivam a produção cultural dessa parcela da população.

Objetivos

O Museu Bajubá busca:

Ações Táticas

Atividades Estratégicas

Operacionalização

1. Elaboração dos documentos constitutivos (Estatuto Social e Regimento Interno).

2. Registros nos órgãos competentes (cartório do ofício de registro de pessoas jurídicas, Receita Federal, IBRAM).

3. Definição da sua identidade visual (logomarca e paleta de cores).

4. Criação do sítio do Museu e páginas nas redes sociais (Facebook e Instagram).

5. Criação de campanhas para financiamento de suas atividades/projetos.

6. Criação da “lojinha” do Museu, observados os recursos técnicos de segurança para as transações.

7. Confecção e venda de camisetas, bonés, canecas e outros com a sua logomarca, para geração de recursos.

8. Confecção de projetos para parcerias oficiais e captação de recursos, no Brasil e no exterior.

9. Avaliação da execução do presente Plano Museológico, transcorridos dois anos de sua implementação.

Projetos

  • Exposição pelo centenário de morte e os 140 anos de nascimento de João do Rio – Pesquisa bibliográfica, iconográfica, produção de textos, montagem.
  • Será estudada a viabialidade da criação de objetos temáticos para venda/arrecadação de recursos.

     Termo: 05 de agosto 2021, abertura da exposição virtual; e 2º semestre de 2022, a publicação do Caderno.

  • Além da exposição, planeja-se a edição do Caderno da exposição (a visão da cidade sob o olhar de João do Rio).
  • Curadoria da exposição Madame Satã (2022).
  • Pesquisa para a construção das Coleções referentes aos Roteiros/Itinerários da Estação/Gira.
  • Constituição de Grupo de Trabalho para a elaboração da exposição sobre os 55 anos do Concurso de Miss Travesti.

– Termo: novembro 2021.

  • Constituição de Grupo de Trabalho para a elaboração da exposição sobre os casos de transgeneridade veiculados em jornais locais (1930 e 1960) – Termo: segundo semestre de 2022.
  • Pesquisa para a construção das Coleções referentes aos Roteiros/Itinerários da Estação/Gira.
  • Pesquisa para exposições e roteirização dos espaços de sociabilidade da Estação/Gira. Responsável: Remom Bortolozzi.
  • Pesquisa para exposições e roteirização dos espaços de sociabilidade da Estação/Gira. Responsável: Remom Bortolozzi/Acervo Bajubá.

Patrimônio musealizado

(Pesquisa historiográfica já realizada ou apenas relacionada)

Rua da Glória, Av. Augusto Severo, Parque Aterro do Flamengo, Marina da Glória, Rua da Lapa, todo o bairro da Lapa, Morro de Santo Antônio (destruído); Praça Cruz Vermelha, Rua 20 de Abril, Campo de Santana, Praça Tiradentes; Central do Brasil; Rua Gomes Freire; Rua do Lavradio, Rua Riachuelo; Av. Mem de Sá; Praça Onze (extinta); Rua São Jorge (extinta); Rua Teófilo Otoni; Rua André Cavalcanti; Rua do Resende; “os buracos do Rio” (Rua México, Av. Nilo Peçanha, Av. Graça Aranha, Av. Almte Barroso etc.); Edifício Avenida Central; Largo da Carioca; Cinelândia; rua Alcindo Guanabara; Baixo Gay Botafogo (em pesquisa); boates de Copacabana – Stop, Tamino, Rio Jerez, Samir, Galeria Alaska etc. (em pesquisa).

Parque Municipal; a região boêmia (rua Guaicurus e entorno, bairros Lagoinha e Bonfim); o edifício Arcangelo Maletta; Av. Afonso Pena, entre Praça Sete e Praça Rio Branco; a praça Raul Soares e entorno; bairro Barro Preto; a Rua da Lama (rua Sergipe); o Autorama ou Oito (quatro quarteirões do centro que formavam um trajeto em forma de 8 deitado); entorno da Praça da Savassi.

O patrimônio da Estação Belo Horizonte se constitui dos seguintes materiais: 13.680 imagens de periódicos relativos ao período entre 1917-1989; cartografia dos locais de lazer frequentados pelas pessoas LGBTI+ a partir de 1959 em uma tabela com nomes e endereços que se estende por 24 páginas; um clipping com notícias de periódicos entre 1917-1989 reunido em 15 arquivos que somam 2.425 páginas.

Em pesquisa

Roteiro LGBT da epidemia de HIV/Aids; roteiro do movimento homossexual paulista; roteiro da militância lésbica; via sacra sapatão em São Paulo; roteiro da pegação viada paulistana; lugares de memória LGBT negras paulistanas (em pesquisa). 

Histórico

Em 2018, no “Seminário Museu Queer”, promovido em 17 de julho, pelo Museu da Diversidade Sexual de São Paulo, a idealizadora e promotora dos roteiros no Rio de Janeiro propôs pensar a cidade como um grande acervo museológico, a céu aberto, de memórias e histórias dos protagonismos das pessoas LGBTI+. Em outras palavras, propunha a musealização dos itinerários, territórios, roteiros e espaços de memória do povo bajubá. Trata-se de um patrimônio cultural que pode ser trabalhado a partir de múltiplas áreas do conhecimento: geografia, antropologia, urbanismo, história, memória, museologia, política social, cultura e turismo, inclusive programa de capacitação e geração de renda (Colaço, 2018). Nessa perspectiva, defendia o reconhecimento do valor patrimonial do acervo histórico e memorialístico inscrito nos territórios ocupados por esses atores ao longo do tempo nas cidades.

Em sua exposição, a idealizadora do Museu Bajubá apresentou a pesquisa sobre esses territórios e sua difusão como política social de reparação e integração de um segmento historicamente objeto de reiteradas dinâmicas de violência e estigmatização. Tal ação teria como consequência retirar aqueles territórios da invisibilidade histórica ou da visibilidade no registro da delinquência e imoralidade, devolvendo-lhes o seu lugar de protagonistas e reconhecendo sua contribuição para a cultura nacional e como legítimas suas formas de resistência, inventividade e criação. Essa mesma proposta foi, em 2019, apresentada na Conferência da ALMS em Berlim – “Queering Memory” (Rodrigues, 2019).

A primeira tentativa de salvaguarda desse patrimônio específico foi através do projeto do Núcleo de Referência, Memória e Pesquisa LGBT (RefmemoLGBT), de 2019, em parceria com o pesquisador Luiz Morando. Então como mapeamento, o projeto foi depois reformulado. Houve tentativas anteriores no mesmo escopo de salvaguarda do patrimônio LGBT, mas em outros formatos – como a do Núcleo de Memória LGBT, no Programa de Estudos Pós-graduados da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, em parceria com o professor doutor João Bosco Hora Góis e com o museólogo Lenon Braga, no segundo semestre de 2014 (ver https://memoriamhb.blogspot.com/2018/11/o-nucleo-de-memoria-lgbt.html) e, em fevereiro, a de um Museu LGBT, com Lenon Braga e o educador e ativista Eliseu Neto.

Em junho de 2020, a partir de conversas com Lenon Braga e com o professor de Museologia da UniRio, doutor Bruno Brulon e de algumas leituras sugeridas, foi ficando nítida a perspectiva da museologia social como instrumental capaz de atingir os objetivos pretendidos, com fundamento, dentre outros, nos artigos 1º, 2º, 7º e 8º da Lei n. 4.904/2009. Também em junho, no artigo inédito “Blog, redes e ruas – Onze anos exercendo a História Pública e promovendo a cidadania cultural do povo Bajubá”, foi apresentado um primeiro esboço para a musealização do patrimônio. A partir daí, seguiram-se leituras e diálogos profícuos, tendo-se ampliado a proposta para incluir a musealização dos roteiros e itinerários das cidades de Belo Horizonte, Curitiba e São Paulo.

Também para o melhor delineamento teórico da proposta de musealização, temos efetuado conversações e leituras. Uma das questões já emergentes diz respeito às definições estabelecidas pelo Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (Icomos) em 2008 para Itinerário Cultural (“toda via de comunicação terrestre, aquática ou de outro tipo, fisicamente determinada e caracterizada por possuir sua própria e específica dinâmica e funcionalidade, a serviço de um fim concreto e determinado”, desde que reunidas as condições ali previstas), bem como para as Rotas ou Roteiros Culturais (os percursos desenhados em vias de comunicação atuais, por meio dos quais se encontram bens patrimoniais não necessariamente ligados em um itinerário historicamente construído, agregados a partir de um determinado tema, em torno do qual se compõe o trajeto que possibilita o conhecimento da história, memórias e cultura de determinado local ou grupo humano), possibilitando a “leitura sociocultural do território” (Pistorello, 2020). Percebe-se que os percursos já constituídos, tanto no Rio de Janeiro quanto em Belo Horizonte, Curitiba e São Paulo, contemplam ambas as classificações. No entanto, conforme registra Daniela Pistorello (2020), “embora o Icomos empreenda esforços na promoção dessa categoria patrimonial, ainda são incipientes as pesquisas acadêmicas que buscam compreender a amplitude dos itinerários culturais (…)”. Nesse sentido, nossa proposta pretende, também, contribuir para alargar essa compreensão, de modo a contemplar os intercâmbios por razões distintas às atualmente consagradas na literatura patrimonialística, como por exemplo os decorrentes da demanda por serviços sexuais que, ao nosso ver, preencheriam os requisitos da definição estabelecida pelo Icomos.

Estamos, portanto, trabalhando em quatro frentes – pesquisa histórica, constituição jurídica, criação da página e identidade visual do museu e definição da ferramenta tecnológica para operacionalização das exposições virtuais e leitura teórica – de modo a melhor desenharmos o perfil da musealização pretendida. Há que se planejar também o projeto educativo virtual associado às exposições comemorativas.

O Museu tem também o compromisso com a construção de produtos de caráter educativo presenciais (Roteiros/Itinerários presenciais, palestras em escolas, associações, sindicatos) e formativo (Guia de Turismo LGBTI+ – para a própria comunidade, contribuindo para a geração de renda); capacitação em história e memória LGBTI+ – para professores (e outras pessoas interessadas).

O direito à memória como cidadania

O reconhecimento do direito à memória como parte dos direitos fundamentais no Brasil é resultado do trabalho de múltiplos atores, em diversos campos e cenários, ao longo de décadas. Guarda relação, por um lado, com os embates por justiça e reparação, que remontam ao final da II Guerra Mundial e retornam, intensificados, na América Latina, com o ocaso de seus regimes ditatoriais e as demandas por apuração e punição dos crimes praticados . E, por outro, com as transformações epistemológicas na historiografia francesa, a partir de fins dos anos de 1970, com a ampla recepção conquistada pelos textos de Le Goff e Pierre Nora, reconhecendo a memória como objeto legítimo para a história e integrando ao ofício do historiador novas abordagensproblemas e objetos (Le Goff; Nora, 1995). Transformações incorporadas pela historiografia brasileira ainda em 1975, por exemplo, com a criação do programa de história oral do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro (CPDOC, s/d). A memória assim encontra variada aplicabilidade, na Europa como nas Américas, em campos diversos, seja na História Social e Cultural, na nova História Política, na História do Presente e na História Pública, chegando a se constituir como um campo autônomo (Cruz, 2016).

No mesmo período também a museologia passou a refletir criticamente sobre o seu papel e o das instituições museais. Os marcos são a Mesa-Redonda de Santiago, no Chile, entre 20 e 31 de maio de 1972, tida como o primeiro evento interdisciplinar e crítico da museologia a discutir o papel do museu e da memória para a construção do pertencimento e da identidade; e a reunião de Québec, em 1984, que deflagra o Movimento para uma Nova Museologia (Paiva; Primon, 2013). Seguem-se outros eventos igualmente reflexivos e inovadores. A proposta passa a ser a de uma museologia social, com instituições democráticas e representativas das múltiplas comunidades, estimulando os diversos segmentos sociais a que se apropriem do seu patrimônio cultural e o utilizem como instrumento de transformação pessoal e coletiva (Veiga, 2014).

Essa mudança paradigmática, tanto no que respeita à cultura, à memória e à história, no Brasil, foi incorporada no projeto de um novo país delineado no texto da Constituição da República, em 1988. Ela se encontra nos artigos 5º, inciso LXXIII, 215 e 216 . Passou, portanto, a ser compreendida como bem e direito fundamental a ser preservado, protegida em toda a sua diversidade, na medida em que são elementos constituintes da identidade, pessoal, coletiva e nacional.

No que toca ao povo bajubá, o vigor dos ativismos contemporâneos tem trazido ganhos significativos em termos da promoção de sua cultura como instrumento de ressignificação identitária , no percurso da luta mundial por uma vida livre da discriminação que vem de mais de um século .

No entanto, mesmo durante o período de grande interlocução entre o governo federal e os movimentos sociais organizados, a cidadania cultural da população LGBTI não logrou efetivação. Embora os esforços do ministro da cultura Gilberto Gil (2003-2008), a forte oposição dos segmentos obscurantistas e reacionários, cujos parlamentares integravam a base de sustentação dos governos petistas, terminaram tornando suas iniciativas pouco mais do que diretrizes programáticas. Referida nos documentos oficiais de forma genérica, seu tratamento foi incipiente, generalista, lento e com intervalos, como se pode constatar através do Relatório de Ações do Ministério da Cultura, referente ao decênio 2004 – 2014 (Brasil, 2014).

Em 2007 o Grupo Dignidade de Curitiba anunciou a criação do Centro de Documentação Professor Doutor Luiz Mott e, em 2011, a disponibilização, na internet, da coleção digitalizada do jornal Lampião da Esquina , o que tornou possível a realização de inúmeras pesquisas . Em 2012, temos a criação do Museu da Diversidade Sexual, ligado à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo; e, em 2013, da Revista Memória LGBT.

Em 2015, ocorrem dois eventos valorizando a cultura e a memória do povo bajubá em comunidades faveladas: o Seminário Memória, Museus e Museologia LGBT, por ocasião dos 450 anos da cidade do Rio de Janeiro, iniciativa do Museu de Favela Pavão, Pavãozinho e Cantagalo (MUF), realizado na Favela Cantagalo; e a divulgação, ali, do Projeto Memória LGBT, no mesmo museu.

Em 22 de novembro de 2018, é anunciada a criação do Centro de Memória LGBTI João Antônio Mascarenhas, fruto de uma parceria entre o Instituto de Educação e Nós do Sul, Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Identidades, Currículos e Culturas, ambos da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), tendo ainda como participantes o Grupo de Estudos e Pesquisas em Sexualidade (GEPS) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o Observatório de Pesquisas e Estudos Multidisciplinares da Universidade do Estado da Paraíba e programas de pós-graduação em Educação e Educação em Ciências (FURG), Educação Básica (UEPB), Psicologia institucional (UFES) (Brasil, 2018; Centro). Temos ainda quatro iniciativas de 2018, inventariadas por Leonardo Vieira, no número 12, recém-lançado, da Revista Memória LGBT (Vieira, 2020).

Em 2019, durante a realização do VII Seminário de Museologia Experimental e Imagem, da UniRio, é divulgado o início dos trabalhos para a criação do Museu em Movimento LGBT, uma parceria entre Grupo Museologia Experimental e Imagem (MEI), da UniRio, e o Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBT; e em 2020, a criação do CLOSE – Centro de Referência da História LGBTQI+ do Rio Grande do Sul, no âmbito da UFRGS, em fase de constituição.

São ações que se multiplicam, ao tempo em que se conquistam vitórias no campo judiciário . Denotam mudança na agenda dos ativismos. Enquanto ampliam-se as iniciativas em prol da valorização da memória e história LGBT, perde-se interlocução com o Executivo federal, por força do golpe jurídico-midiático-parlamentar de 2016, da ascensão da extrema-direita e do aprofundamento da crise econômica.

Afora esse boom da memória e história LGBTI+, temos ainda muitos e sérios problemas. Seja na persistência de sua invisibilização, nos museus como nos demais lugares públicos de memória; seja na precariedade da preservação, conservação e acessibilidade de suas fontes, notadamente as processuais e digitais. Seja, ainda, no que respeita aos acervos recebidos por herança, tratados pelos sucessores ou como meros bens econômicos, ou como patrimônio exclusivamente privado, descuidados a relevância cultural para a comunidade e o dever de preservação –  aspectos que não afetam somente o povo bajubá.

Com o golpe jurídico-midiático-parlamentar de 2016 e a ascensão da extrema-direita no país, as (parcas) ações do governo federal em prol da cultura, da diversidade e dos direitos fundamentais sofreram solução de continuidade. O último edital para os Pontos de Memória, por exemplo, data de 2014 (Brasil, s/d). Diversos municípios e estados da federação também foram contaminados com a onda obscurantista, elegendo prefeitos e governadores conservadores e reacionários, como foi o caso do município e estado do Rio de Janeiro.

No campo da museologia, embora o processo de democratização da sua visão institucional remonte aos anos de 1980, com a chamada nova museologia, buscando visibilizar ações museais participativas e comunitárias, com vistas a sedimentar vínculos identitários grupais (Brulon, 2020), não logramos ainda assistir, no Brasil, à incorporação da população LGBTI+. É que, como reconhece Bruno Brulon, dispositivos de poder que são, nos museus ainda predominam as narrativas da racionalidade colonial, expressas na representação do “sujeito hegemônico masculino e branco” (Brulon, 2020). Ademais de persistir a invisibilização de pessoas LGBTI+ nas exposições, há ainda a questão da preservação dos acervos. Em 2016, quando da exposição pelo centenário do museólogo e carnavalesco Clóvis Bornay, tornou-se público que, das vinte e uma luxuosas fantasias transferidas pelas suas filhas à Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e que compõem o acervo do Museu Histórico da Cidade do Rio de Janeiro, apenas três foram higienizadas e restauradas – “as que estavam em melhor estado de conservação”. Dessas (“Arlequim”, “Dalai Lama” e “Plenitude da Harmonia Universal”) foi dito que estavam mofadas, cheias de fungos e descosidas (Pennafort, 2016). Se essas eram as que estavam em melhores condições, pode-se imaginar o estado das demais, sobretudo passados quatro anos. Ao que se tem notícia, higienizadas e restauradas essas três peças pelo Museu da República, para a exposição em homenagem a esse personagem da cultura carioca, que é também importante personagem da cultura bajubá, nenhuma ação realizou até o presente o Museu da Cidade com vistas a restaurar as demais. Nem por si ou através de parceria com outras instituições, museais ou não, públicas ou privadas, deixando assim de cumprir com pelo menos duas de suas funções primordiais, que são a conservação e preservação de seu acervo e o intercâmbio institucional, conforme o artigo segundo da Lei n. 11.904/2009. 

No que respeita à persistência da invisibilização das pessoas travestis, homo e transexuais nos lugares públicos de memória, citamos o caso da cidade do Rio de Janeiro – uma das estações/giras do Museu Bajubá. Embora muitos sejam os personagens que viveram e produziram na cidade, conquistando destaque na história nacional, apenas dois foram homenageados por ela: o escritor João do Rio e o cantor e compositor Cazuza . João do Rio foi homenageado com uma rua diminuta no bairro de Botafogo, porém com o seu nome civil (Paulo Barreto) e não aquele com o qual assinava suas criações (Gerson, 2000). O escritor Graciliano Ramos reconheceu a modéstia da homenagem a um literato cuja morte, embora o país de analfabetos, impactou todos os estratos da sociedade, numa grande comoção . Portugal, no entanto, procedeu melhor: em Póvoa do Varzim, lhe destinou uma rua no centro da cidade, próxima à Câmara de Vereadores; em Lisboa, uma praça e um monumento. Não lhe perdoam a sexualidade desviante, como não a perdoou Humberto de Campos e tantos outros contemporâneos seus.

Temos estátuas homenageando (com justeza) Carlos Drummond de Andrade, Tom Jobim, Ayrton Senna, Pixinguinha, Ibrahim Sued, Zózimo Barroso do Amaral, um “memorial às vítimas do voo 447” (embora jamais tenha sabido de memorial algum às incontáveis vítimas de deslizamentos de favelas). Até de Michael Jackson temos estátua… Mas não se encontra na cidade nenhum reconhecimento público a personagens como Ismael Silva, Osvaldo Nunes, Joãozinho Trinta, Clóvis Bornay, Herbert Daniel ou Lota Macedo Soares . Apenas Cazuza mereceu uma, instalada no bairro de classe média alta do Leblon.

Não fossem as iniciativas da nova geração de museólogos e das suas filhas, quantas seriam as pessoas, no Rio de Janeiro, a saber que Bornay era museólogo conceituado e daí obtinha o seu sustento? Que era católico e todos os anos fazia um novo manto para a imagem de Nossa Senhora da Glória do Outeiro? O que ficaria no imaginário popular possivelmente seria o produto da exploração televisiva de sua imagem, a partir da representação da bicha como risível. Claro que também suas fantasias originais e luxuosas. Mas a estigmatização de sua delicadeza e das marcas do pertencimento à cultura viada é tão poderosa ao ponto de fazer se sentir inferiorizado quem se viu batizado com o nome de Clóvis, como registrado no blog Comer de Matula (Colaço, 2010).

Apesar deste cenário, segue resistindo a mais emblemática de todas as iniciativas, que é o Museu da Diversidade Sexual, de São Paulo, importante equipamento no que se refere à efetividade de nossa cidadania cultural, criado em 2012 pelo governo do estado de São Paulo (SÃO PAULO, s/n). Para um segmento populacional representado na cultura judaico-cristã como ignóbil, imoral, asqueroso, enfermo, poder ver a sua expressão cultural, suas memórias e história reconhecidas, preservadas e dadas a conhecer em um equipamento museal público é um marco altamente relevante, tanto em termos de inclusão, da reparação de séculos de perseguição e violência, quanto da educação para o respeito à diversidade. No entanto, trata-se de iniciativa ainda tímida, relativamente inferior à importância da participação desse segmento na vida e produção cultural do país, à relevância de sua capacidade inventiva e de resistência aos processos estigmatizantes a que estiveram (e ainda estão) submetidos.

Somam-se a ele acontecimentos mais recentes, que parecem apontar para a modificação dessa realidade. O primeiro, a realização do primeiro Simpósio Temático sobre historiografia LGBT, no âmbito do 30º Simpósio Nacional de História, em 2019, na cidade do Recife (“Clio sai do Armário”: Homossexualidades e escrita da história, SNH, 2019). No mesmo Simpósio, a realização de minicurso sobre a história dos ativismos e sociabilidades LGBT, curso anteriormente ministrado em Rio das Ostras, em parceria com o Coletivo Construção e o GEDIC – Grupo de Estudos da Diversidade, Identidade e Classe, composto por alunos do polo universitário da Universidade Federal Fluminense, UFF-PURO.

Seguem-se a constituição, em 2020, da Rede de Historiadoras e Historiadores LGBTQIA+, seu desdobramento (Rede, 2020) e, no mesmo ano, as comemorações pelo Dia Internacional dos Museus (evento que congrega mundialmente as instituições museais e se comemorar no Brasil a 18 de maio) sob o tema Museus para a igualdade: diversidade e inclusão, conformedecisão do Conselho Internacional dos Museus (ICOM) . E o quarto, o início, em 12 de junho, do processo de criação do Museu Bajubá, que busca, por meio de pesquisas históricas, recuperar e salvaguardar o patrimônio cultural das pessoas LGBTI+, musealizando-o e divulgando por meio de exposições virtuais e outras ações educativas. A proposta é devolver-lhes o seu lugar de protagonismo na história das cidades e do país, rompendo com o pacto que os colocava entre a invisibilidade e a visibilidade estigmatizada, promovendo a efetividade da sua cidadania cultural.

É da preocupação com essa realidade de descaso para com a sua cidadania cultural que foram desenvolvidas as ações que vão levar à constituição do Museu Bajubá. No Rio de Janeiro, as pesquisas, cursos, palestras e sobretudo os “Roteiros pelos Territórios de Resistência e Memória LGBT do Rio de Janeiro” (city tour/walking tour “LGBT”), realizados por Rita Colaço, a partir de 2012; em Belo Horizonte, as pesquisas, palestras e livros realizadas/escritos por Luiz Morando e a apresentação de um roteiro virtual, em 2017, sobre os territórios de sociabilidade de gays, travestis, transexuais, lésbicas e bissexuais, na cidade; e as pesquisas, oficinas e walking tours que vêm sendo realizadas por Remom Matheus Bortollozi em relação a São Paulo e Curitiba.

Os Roteiros no Rio

Numa apropriação do aspecto lúdico, descontraído e de celebração dos walking tours LGBT, os Roteiros / aulas-evento são organizados a partir de um tema que dá sentido ao percurso. Eles tratam da história dos modos e locais de sociabilidade, sexo, lazer, trabalho e moradia, mecanismos de proteção social autoconstruídos, táticas de resistência, práticas ativistas e expressões culturais. Trabalham a cidadania de homossexuais, travestis e transexuais, seja colaborando para a efetividade ao direito constitucional à própria história e memória (cidadania cultural); seja proporcionando elementos para a melhora na autoestima. Promovem o respeito à diversidade, franqueando a participação de todos. A abordagem é feita de forma contextualizada, integrada à história geral da cidade, do século XIX aos anos de 1980, inclusive com indicação de bibliografia para aprofundamento.

A primeira edição ocorreu em 8 de dezembro de 2012, às 21h30. A divulgação se iniciou em 26 de novembro, através das redes virtuais. Apenas três ou quatro pessoas compareceram. Em cinco de março de 2013, houve outra edição, virtual, em um bar, com o apoio de imagens projetadas. Novas edições presenciais foram anunciadas, em 2013 e 2014, acrescidas de mais um roteiro. Embora as reações elogiosas e codivulgação por parte de pessoas influentes dos ativismos e da museologia LGBT, poucas foram as reações do público, inviabilizando a sua realização.

Elas voltaram a ocorrer somente em 2019, em setembro e outubro, constatando-se aumento significativo no interesse das pessoas LGBTI+ pela própria história. O público apresentou-se bastante diverso – em gênero, orientação sexual, etnia e geração, universitários ou graduados, de diversos campos: jornalistas, historiadores, guia de turismo, alunos de museologia… Todos, porém, muito atentos e motivados, fazendo perguntas, associações, complementos, filmando, gravando e anotando as indicações bibliográficas.

Por meio do avanço nas pesquisas, chegou-se a quatro diferentes roteiros temáticos, todos no centro histórico da cidade, com cerca de hora e meia a duas horas de duração cada: Madame Satã; Cabarés, conventilhos e bailes; Espaços de sociabilidade LGBT; Espaços de pegação – os buracos do Centro do Rio (Rodrigues, 2016; Moreira, 1997). Foram realizadas / divulgadas por meio do blog Memórias e Histórias das Homossexualidades.

Narrando a presença de dândis, bagaxas, frescos, enxutos, sodomitas, uranistas, bichas, viados, gays, travestis, transformistas e, em menor visibilidade, das lésbicas (por conta da apartação das mulheres dos espaços públicos), os participantes são estimulados, de maneira divertida e em coletivo, a reelaborar a imagem desqualificada historicamente erigida sobre esse segmento populacional. No percurso, eles vão percebendo que, embora a marca da estigmatização e da violência a que eram / são submetidos, foram / têm sido ricos em criatividade e solidariedade, sabendo se utilizar do humor derrisório como mecanismo de resistência e arte.

As pesquisas acerca da presença desses atores na cidade do Rio de Janeiro resultaram em outros produtos, além dos roteiros – palestras, minicursos, artigos, conferências. Em 2014, a pedido da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual (Ceds-Rio), foi elaborado um Parecer sobre a importância histórica do prédio que abrigou o Cabaré Casanova, na Lapa, importante espaço de lazer e expressão cultural, onde surgiram e se apresentaram diversos artistas da comunidade LGBTI+, sendo o de maior longevidade de que se tem notícia no país, remontando à década de 1950, aproximadamente, a exibição de shows de travestis e transformistas no local. Em 2016, foi publicado o artigo, elaborado em 2015 (“Artes de acontecer: viados e travestis na cidade do Rio de Janeiro, do século XIX a 1980”), divulgando os achados dessas pesquisas, trazendo inclusive o protagonismo das travestis que fizeram carreira no teatro e nos shows musicais (Rodrigues, 2016). Seguiram-se convites para falar em diversos eventos.

O mapeamento dos territórios LGBTI em Belo Horizonte

Desde 2002, Luiz Morando se dedica, de forma sistemática, ao desenvolvimento do projeto “Memória das identidades LGBTQIA+ de Belo Horizonte – 1946-1989”, com o objetivo de recuperar, valorizar e divulgar a presença desses atores na história da cidade. A pesquisa se sustenta sobre quatro tipos de fontes: jornalística (rastreando, no período delimitado, notícias variadas sobre pessoas que se reconhecem com uma forma de sexualidade diferente da cisheteronormativa); autos de processos judiciais (referentes a delitos cometidos por ou contra pessoas pertencentes a esse segmento); e a busca por relatos orais e acervos de pessoas que viveram na cidade naquela faixa temporal.

O marco inicial (1946) guarda relação com o chamado Crime do Parque – ano em que ocorreu um homicídio de natureza homoerótica bastante pautado pela imprensa e que terminou por revelar a existência de subcultura e território homossexual no Parque Municipal, denominado pelos nativos como Paraíso das Maravilhas (Morando, 2008). O marco final (1989) remete ao período até quando a escassez de documentos é emblemática e reveladora do grau de desconhecimento das memórias daquele segmento. A imprensa serviu de fonte inicial para o mapeamento dos itinerários de sociabilidade e sexo entre homens homossexuais e bissexuais, lésbicas, travestis, pessoas transgêneras e demais formas de identificação das sexualidades dissidentes. A Hemeroteca Histórica da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa foi o local de memória inicialmente privilegiado, seguindo-se de outros, como os arquivos do poder judiciário do estado, dos órgãos de segurança pública, arquivos públicos, centros de memória, instituições sanitárias, arquivos de jornais ainda em circulação, Hemeroteca da Biblioteca Nacional etc. Neles variada tipologia de fontes foi pesquisada (autos dos processos judiciais, iconografias, cartografias, periódicos etc.). Fontes orais também foram constituídas por meio de personagens que viveram na cidade a partir dos anos 1950.

Através de uma pesquisa sistemática e disciplinada, foi possível reconstituir não apenas a história das investigações e julgamento sobre o Crime do Parque, como também as casas comerciais de lazer, os equipamentos urbanos públicos frequentados pelo segmento LGBTQIA+, as personalidades, os eventos culturais, episódios que já apontavam para uma futura articulação política de pessoas que se reconheciam pertencentes àquele segmento, bem como outros crimes escandalosos e as representações (pseudo)científicas vigentes à época acerca das homossexualidades. Também foi possível apreender como as redes de trânsito, migração e deslocamento eram operadas nos eixos BH-Rio-SP, levando à troca de informações, vivências e experiências. Toda essa gama de dados se interseccionava, constituindo intensa rede cuja trama era mais fechada ou mais aberta em certos pontos. Esse material ainda gerou uma grande cartografia, resumida em uma tabela com 24 páginas divididas em bares, boates, cinemas, saunas, pontos de pegação na rua, estabelecimentos friendly e organizações LGBTQIA+ em Belo Horizonte a partir de 1959.

A pesquisa revelou uma realidade labiríntica, ampliada e em várias direções. Esse caráter labiríntico explicita tanto as singularidades das formas de sociabilidade do segmento, quanto a precariedade concernente à guarda e manutenção de documentos públicos no país. Precariedades mais assustadoras e desoladoras reconhecidas ao longo dos últimos 18 anos, entre as quais podem ser citadas: falhas na sequência temporal de material de arquivo; perda de documentos, como diversos livros de registro de delegacias e distritos policiais e de fichas de detenção; conservação deficiente de documentos; inadequação nas condições físicas dos ambientes onde os acervos estão guardados; ausência de informações em diversos órgãos públicos municipais e estaduais sobre o paradeiro e/ou a guarda de material; falha de comunicação entre diversos órgãos quanto à guarda de material; perda de arquivos (sobretudo fotográfico) de jornais extintos; ausência de continuidade em programas governamentais locais e/ou regionais de apoio a instituições de memória; verbas diminutas para manutenção de setores ligados a políticas de patrimônio cultural; ausência de políticas para recebimento, guarda e manutenção de acervos particulares; procedimentos excessivamente burocráticos para acesso de pesquisadores a materiais arquivados e praticamente não acessados ao longo do tempo; despreparo de funcionários para informar e localizar materiais de pesquisa.

O grande volume, diversidade e detalhamento de informações históricas levantado sobre as formas de viver, produzir e resistir desses personagens na cidade de Belo Horizonte tem gerado diversos produtos: a escrita de quatro livros (um já finalizado), a publicação de vários artigos em revistas acadêmicas e palestras em eventos universitários e dos movimentos LGBT. A divulgação dos resultados dessas pesquisas tanto tem estimulado novos pesquisadores a se dedicarem ao tema em seus trabalhos de conclusão de curso quanto proporcionado a valorização, pelo segmento, de seu patrimônio histórico, o que se percebe através das reações e comentários registrados.

O mapeamento dos territórios LGBTI em São Paulo

A Estação São Paulo iniciou com uma diversidade de ações independentes de membros do Acervo Bajubá. Parte das atividades desenvolvidas foi executada dentro do próprio Acervo, como o roteiro feito em conjunto ao curso de formação Purpurinas do Bajubá: Historiografia e Memória LGBT Brasileira (2018), realizado em conjunto com SESC-SP, contando com um roteiro que atravessa a São Paulo dos séculos XX e XXI pelos olhos de pessoas e grupos dissidentes de sexo e de gênero; ou os roteiros específicos feitos a pedido e em conjunto com pesquisadoras e pesquisadores, como o roteiro LGBT da epidemia de HIV/Aids (2018), o roteiro do movimento homossexual paulista (2017), o roteiro da militância lésbica e a via sacra sapatão em São Paulo (2018), o roteiro da pegação viada paulistana (2019). Um roteiro específico sobre lugares de memória LGBT negras paulistanas está sendo desenvolvido. Outra parte das ações foi efetuada em parcerias com outras organizações; por exemplo, a FAU-USP, instituição que já havia realizado uma roteirização de lugares de memória LGBT e suas vinculações com direitos humanos, com a qual realizamos uma disciplina conjunta em 2018 sobre “Lugares de Memória e Consciência LGBT”. Outra ação desenvolvida por membros do Bajubá em conjunto ao MDS e ao grupo foi um roteiro panorâmico de memória LGBT no centro a partir de um olhar mais turístico para pessoas curiosas e não da área. Em 2020, o Acervo Bajubá realiza parceria com o Museu Bajubá buscando sistematizar essas experiências, sintetizar a produção e reunir essas diversas iniciativas para a elaboração da Estação São Paulo.

O mapeamento dos territórios LGBTI+ em Curitiba

A Estação Curitiba inicia-se como um prolongamento da Estação São Paulo, na qual o Acervo Bajubá (através de Remom Bortolozzi), por meio de uma pesquisa mais ampliada e paralela à realizada em São Paulo, começou a sistematizar a recuperação de lugares de memória LGBTI+ em Curitiba e realizar postagens sistemáticas no Facebook e Instagram. Busca-se, nesse momento, parceria com outras pesquisadoras e pesquisadores da memória LGBTI+ curitibana para sistematização e elaboração de um roteiro LGBTI+ na cidade ao longo do século XX.

Ações e produtos

As experiências desses sócios fundadores com a história pública têm contribuído para a valorização do protagonismo do segmento, bem como de seu patrimônio histórico, ao tempo em que promovem a sua autoestima e contribuem para a inclusão e para o respeito à diversidade. Dando a conhecer a riqueza de seu patrimônio cultural, tanto sensibilizam para a necessidade de se ampliarem as pesquisas quanto para que os próprios integrantes da comunidade LGBTI+ dele se apropriem e trabalhem para a sua preservação.

Considerações finais

Para nós, membros instituintes do Museu Bajubá, a cidadania cultural é uma ferramenta política e educacional estratégica na promoção da autoestima da população LGBTI+ e no fomento da cultura de respeito à diversidade.

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Estrito senso, os direitos fundamentais dizem respeito aos reconhecidos no âmbito nacional, pela Constituição. Já os direitos humanos correspondem aos anteriormente denominados “direitos do homem”, isto é, os direitos da pessoa no âmbito internacional. São também nomeados direitos da cidadania, expressão das demandas por reconhecimento, cultural e identitário, frutos que são das lutas coletivas. Estabeleceu-se, para a sua melhor compreensão, a teoria das gerações ou dimensões, que guarda relação com os desdobramentos da teoria constitucional, i.é., as fases do constitucionalismo (Lovato; Dutra, 2015).

Tais demandas se verificaram ainda em relação aos conflitos surgidos na Europa Oriental, após extinção da URSS; na Ásia (Camboja, República da Coreia, Nepal, Sri Lanka); na África (Uganda, África do Sul, Serra Leoa, Gana, Marrocos, Burundi) – guerras, regimes ditatoriais, massacres étnicos, segregações – e às violências praticadas contra os povos originários da Austrália e do Canadá (Cruz, 2016).

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

(…)

§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei (Constituição da República, 1988).

Programa Brasil sem Homofobia, de 2004; I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais, convocada em novembro de 2007 e realizada em junho de 2008, sob o lema “Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de GLBTs”, cujas propostas consolidariam o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais, que exigiria “a articulação e a integração de esforços dos três poderes da República”. Cf.: Link da Referência.

Tomo como momento inaugural o registro mais remoto conhecido no momento: a atuação de Karl Heinrich Ulrichs, a partir de 1862.

Período dos governos petistas. Embora o diálogo, as construções coletivas (via Conferências, por exemplo), suas recomendações não possuíam caráter vinculante, tornando-se inexigíveis.

Disponível em: Link da Referência. Acesso em: 24 fev. 2020.

Ver, por exemplo, as apresentadas no ST Clio sai do armário, na Anpuh Nacional, em 2019, e nas mesas virtuais, em junho de 2020.

Refiro-me ao reconhecimento do direito à equiparação das uniões estáveis homo e hetero e a sua conversão ao casamento, declarado pelo STF em maio de 2012; ao reconhecimento do direito ao nome em consonância com a pessoal identidade de gênero, por parte das pessoas transexuais; e da inclusão da “LGBTIfobia” na lei de combate ao racismo, conforme decisão do STF de 13/06/2019.

Quando proferi a Conferência de Abertura da Semana dos Museus, na Universidade Federal de Alfenas, em maio de 2020, alguém comentou a existência da Lona Cultural Marielle Franco. Situada na Barra de Maricá, município da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, ela foi inaugurada em 26 de maio de 2019. No texto da página da Prefeitura anunciando a inauguração, contudo, nada é falado a respeito da orientação sexual da vereadora assassinada (Brasil, 2019).

Ao velório de três dias (24 a 26/06/1921) compareceram todos os estratos da sociedade. Seu féretro foi acompanhado a pé até a sepultura por imensa e diversificada multidão. Do centro da cidade até o Cemitério São João Batista, em Botafogo, passando pela Avenida Central e Avenida Beira Mar, tudo era um mar de gente. Há quem estime em 100 mil o número de acompanhantes, numa população de 400 mil. Parte do comércio cerrou as portas. Várias entidades decretaram luto de oito dias; sessões de teatro foram suspensas; o Centro dos Chauffeurs disponibilizou gratuitamente os seus veículos, para quem quisesse ir ao sepultamento; o Corpo de Bombeiros ofereceu suas carretas para o transporte das coroas, grinaldas e flores enviadas à redação do jornal A Pátria (O Paiz, 26 e 27/06/1921; Rodrigues, 1996, p. 252-256).

Autora da concepção do Parque Aterro do Flamengo, cujo crédito ainda hoje se costuma atribuir a Burle Marx.

Mesmo com os museus cerrados, em observância às determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS), devido à terrível pandemia de Covid-19 que nos acomete, as instituições museais programaram eventos virtuais tratando do tema proposto. Dentre os que abordaram a inclusão das pessoas LGBTI+ nos acervos e temas musealizados, destacamos o espaço educativo virtual do Museu Histórico Nacional, no Facebook, e o Museu da Memória e Patrimônio da Universidade Federal de Alfenas, MG (Brasil, 2020a; Brasil, 2020b).

Termo nativo; paquera e sexo fugaz e geralmente anônimo.

Mencionarei apenas aqueles que tiveram por tema os acervos, a invisibilização na história, a valorização dos territórios de resistência, a defesa do direito à memória e à história como parte da cidadania, constitucionalmente consagrado: a) 3ª Jornada Ambiente Saudável sem Homofobia, Secretaria Estadual de Meio-ambiente, RJ, 2012: Territórios de Resistência Homossexual na cidade do Rio de Janeiro; b) Encontro Nacional de Arte e Cultura LGBT, 2014, em Niterói: Memória e Identidade LGBT; Seminário Memória, Museus e Museologia LGBT – Rede de Memória e Museologia Social LGBT e Museu de Favela Pavão, Pavãozinho e Cantagalo, RJ, 2015: Espaços de Resistência Homossexual na Cidade do Rio de Janeiro; c) Festival Lapalê – Feira Literária, 2015: Presença homossexual na Cidade do Rio de Janeiro – Século XIX – 1990; d) Seminário Museu Queer – A presença LGBT nos Museus, Museu da Diversidade Sexual de São Paulo, SP, 2018: Invisibilização & Presença de homossexuais, travestis e transexuais na história e na cultura; e) VII Seminário de Museologia Experimental e Imagem MEI UniRio, 2019: Inventário de agonias e esperança – A questão das fontes e dos acervos LGBT no Brasil; e) VIII Semana Acadêmica de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, VIII SAHIS, 2019 – Os Marginalizados da História: História de quem? Para quem? Como?; f) XII Semana Nacional de Museus na UNIFAL-MG, 2020 – Museus para a Igualdade: diversidade e inclusão: Memória e História como Política de Reparação e Estratégia de Inclusão das Populações Estigmatizadas – A Cidadania Cultural (Conferência de abertura).

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