Para lembrar Oscar Wilde

Por Émerson Rossi 
 

Há 170 anos nascia em Dublin um literato que se destacou no teatro, na poesia, na prosa, no gênero epístola e, infelizmente, por um julgamento que entrou para a História das sexualidades dissidentes, sucedido depois por outros casos, como o de Alan Turing. Wilde é o autor de O retrato de Dorian Gray (1891), Salomé (1891), A importância de ser prudente (1895), De profundis (1895) e A balada do Cárcere de Reading (1898). Várias das obras em diálogo crítico com a sociedade de sua época.

Na longa carta escrita na prisão, endereçada a Lord Alfred Douglas e depois transformada em obra, Oscar Wilde medita sobre os acontecimentos, escolhas e os sofrimentos envolvidos naquela situação de ruína e vulnerabilidade, além disso em certo momento descreve a si mesmo antes do declínio: “Eu tinha gênio, um nome de respeito, posição social elevada, brilho, ousadia intelectual; tornei  a arte uma filosofia e a filosofia uma arte: alterei a mente dos homens e a feição das coisas; não havia nada que eu dissesse ou fizesse que não levasse as pessoas a se admirar”. (De profundis, Alaúde, 2014,  p.94)

Essa obra monumental e seu brilhantismo retomados ainda hoje, infelizmente não o fizeram escapar de um “destino trágico” de ser julgado e condenado por “indecência grave” na Inglaterra vitoriana – uma acusação relacionada às suas relações homossexuais, proibidas na época. Wilde, num ato audacioso, processou o Marquês de Queensberry por difamação, mas o julgamento acabou se voltando contra ele quando provas de sua “homossexualidade” foram reveladas. John Sholto Douglas (o Marquês), pai de seu amante Lord Alfred Douglas, ficou instigado a vencer Wilde e após um julgamento sensacionalista que atraiu grande atenção pública, Wilde foi condenado (1895) a dois anos de trabalhos forçados. Essa sentença destruiu sua carreira, sua subjetividade e também repercutiu amplamente na vida de seus familiares.

Foi o amigo e ex-amante Robert Ross quem deu suporte econômico e subjetivo a Oscar Wilde nos piores momentos, quando grande parte das pessoas se dissociou dele. Após sua libertação em 1897, ele foi viver na França, sob o pseudônimo de Sebastian Melmoth, o que sobrou no exílio foi uma pessoa em situação de vulnerabilidade em muitos sentidos, como o pessoal e financeiro, marginalizada por sua sociedade, mas apoiada por esse leal amigo que  que esteve com ele até o último dia e tornou-se seu testamenteiro literário. Foram as ações de Ross que ajudaram a recuperar seu nome, restaurar e a legar a obra de Wilde aos filhos e a posteridade.

Para a comunidade queer/bajubá  Oscar Wilde é uma figura de grande importância, sua vida e obra desafiaram as convenções sociais e se transformaram em emblemas. Ele nos inspirou durante muito tempo, numa época em que nossas referências eram buscadas principalmente no passado e nossos iguais no silêncio e na discrição dos códigos de identificação. As impressões que restaram de sua figura, muitas delas que chegaram até nós por meio de representações, em filmes e peças de teatro, permearam nosso imaginário com ousadia e admiração por desafiarem o que passamos a conceitualizar décadas depois de sua morte como heteronormatividade.

Assim, para lembrar Oscar Wilde termino com um recorte em que ele reelabora o amor (e ódio) em De profundis (2014, p.53):

“O Amor é alimentado pela imaginação, por meio da qual nos tornamos mais sábios do que sabemos, melhores do que percebemos, mais nobres do que somos: pela qual podemos enxergar a vida como um todo: pela qual, e somente pela qual, podemos compreender os outros em suas relações reais, assim como ideais. Apenas o que é belo, e belamente concebido, pode alimentar o Amor”.

 

 

Émerson Rossi é secretário de relacionamento e projetos do Museu Bajubá e coordenador da Estação São Paulo do museu.

Crédito das imagens na ordem de exibição:

  1. Retrato de Oscar Wilde
    SARONY, Napoleon. Oscar Wilde. 1882. Albumen print on card mount, sheet 30.6 x 18.4 cm, on mount 33 x 19 cm.
    Disponível em: Wikimedia Commons.

  2. O segundo livro de contos de fadas de Wilde, de 1891. O primeiro, O Príncipe Feliz, foi publicado em 1888.
    HOLLAND, Vyvyan. Oscar Wilde. Tradução de Sérgio Flaksman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

  3. A prisão de Holloway, para onde Oscar foi enviado após o fracasso de seu processo contra o marquês de Queensberry.
    HOLLAND, Vyvyan. Oscar Wilde. Tradução de Sérgio Flaksman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

  4. Robert Ross na juventude, retrato de Sir William Rothenstein.
    HOLLAND, Vyvyan. Oscar Wilde. Tradução de Sérgio Flaksman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

  5. A casa de nº 21 da Westland Row, em Dublin, onde Oscar nasceu. A placa na parede diz, em irlandês: “O poeta, dramaturgo e homem de espírito Oscar Wilde nasceu nesta casa, 16-10-1854”.
    HOLLAND, Vyvyan. Oscar Wilde. Tradução de Sérgio Flaksman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

  6. Constance Wilde e seu primeiro filho, Cyril, em outro estudo dos Cameron Studios.
    HOLLAND, Vyvyan. Oscar Wilde. Tradução de Sérgio Flaksman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

  7. A primeira página de uma das petições de Wilde para sua soltura da prisão. Foi ignorada.
    HOLLAND, Vyvyan. Oscar Wilde. Tradução de Sérgio Flaksman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

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