Blog

Babados da hora

“A TRÍPLICE CONEXÃO: MACHISMO, CONSERVADORISMO POLÍTICO E FALSO MORALISMO”

Este é o título do livro que Mascarenhas fez publicar. Contém a compilação de notícias veiculadas nos principais órgãos de imprensa, referentes a 96 congressistas constituintes dos 429 que votaram contra a inclusão do termo “orientação sexual” dentre o elenco exemplificativo de motivadores de práticas discriminatórias, vedadas pela Constituição da República (artigo 5º).

O Congresso Constituinte foi composto por 559 parlamentares. Destes, apenas 130 votaram favoravelmente ao pleito encaminhado pelo Triângulo Rosa/João Antônio de Souza Mascarenhas.

 (Foto oriunda do jornal O Dia, de 17/03/1988. João Antônio de Souza Mascarenhas é o último à direita de quem olha. Está de relógio. Ao seu lado temos Caio Benévolo, como os demais, integrantes do TR em 1988 – Caio desde antes.)

Acompanhando a série de notícias reunidas, percebe-se profunda contradição entre discursos públicos (imagem) e práticas.


“‘Serei, no Congresso Nacional, um eterno vigilante da moralidade. Denunciarei todos os conchavos’, disse um candidato a reeleição em outubro de 1990.

Parece piada, mas quem fez a declaração acima foi o ex-deputado paulista Felipe Cheidde. Sim, o mesmo cujo mandato foi cassado por excesso de faltas e que não teve pejo de reconhecer, pela imprensa, que emitira cheques sem fundos em casa de jogo, em Miami, EUA (v, nº 86, pág. 83), acrescentando que não iria pagar a dívida contraída.

Se você tiver estômago forte, leia adiante a parte que intitulamos No Jornal do Brasil, quase tudo (pág. 23 a 87). Lá encontrará informações em geral pouco edificantes sobre 96 ‘nobres parlamentares’ – pouco menos de um quarto dos 429 que, por ação ou omissão, em 28 de janeiro de 1988, se negaram a prestigiar a emenda que estabelecia expressa proibição de discriminação por orientação sexual, na Constituição, à época, em debate.

Deparará com as mais variadas situações. Verá de quase tudo. De manifestações de ocnservadorismo e machismo exacerbados, patético terror pânico de um deputado qualificado de homossexual (v. nº 63, pág. 57 a 61), até crimes capitulados em ossa legislação penal, tais como:

– tentativa de suborno
– aposentadoria indevida
– utilização de serviços de bicheiros e sequestradores
– recusa a pagamento de dívidas
– nepotismo
– fraudes em votações no congresso nacional
– sonegação de impostos
– troca de favores (entre os quais: concessão de canais de emissoras de rádio e de TV; nomeação de apaniguados para altos cargos públicos; loteamento, em massa, de nomeações para angariar cabos eleitorais)
– desvio de material
– desvio de verbas
– venda de bolsas de estudo
– venda de votos para beneficiar multinacional
– negócios escandalosos entre parlamentares e órgãos da União
– estelionato
– prisão em casa de jogo
– contrabando de armas e de drogas
– apologia do homicídio e acobertamento de assassinos
– incitação ao homicídio
– cumplicidade em homicídio
– ‘y otras cositas más’.

É isso aí. Boa parte dos congressistas é ‘barra pesada’, ‘não brinca em serviço’, precisa mesmo de um mandato parlamentar para escapar de prestar contas à Justiça.

Cabe lembrar que reproduzimos as ‘escorregadelas’ de que, pela imprensa, tomamos conhecimento, e de forma assistemática, pois nunca tivemos a intenção (nem tempo, nem dinheiro) de documentar todo o – digamos – ‘lado penumbroso’ dos congressistas que a nós se opuseram.

Em consequência, gostaríamos de deixar bem claro que os 96 por nós arrolados podem ter cometido muitas outras ações que aqui figurariam se nós as conhecêssemos. ‘Cesteiro que faz um cesto, faz um cento’.
 (…)”

O trecho acima é parte da introdução que Mascarenhas escreveu. Em sua compilação, sejamos sinceras, não encontramos nada de diferente daquilo que já estamos fartas de saber e que desgraçadamente persiste como se fora da ordem do lícito, válido, justo.

Porém o que se afigura como de alta relevância política, social e histórica é o fato de que esses 96 congressistas constituintes defenderam um discurso pseudamente moralista frente à demanda do Movimento Homossexual Brasileiro – que, naquela ocasião, apenas pedia que se inscrevesse na Lei Maior da República que não se podia discriminar por razão da orientação sexual de ninguém, assim como não se podia fazê-lo por quaisquer outro motivo (sexo/gênero, religião, raça/etnia, procedência, posição, condição física, geração etc).

“Desejávamos, pois, o óbvio?”, indaga retoricamente Mascarenhas. “Parece.” Responde ele. E complementa:
“Parece, mas não é; ao menos para 429 ex-constituintes, pouco mais de 3/4 dos integrantes do Congresso Nacional. Os parlamentares aprovaram a igualdade perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas (art. 153, § 1º), mas negaram-se a proibir a distinção por orientação sexual. Ora, se após debatida a questão, optaram por excluir o impedimento constitucional solicitado, evidentemente acharam que a discriminação devia ser permitida. E, como denominar alguem que age assim? (…)” (Mascarenhas, 1997, 19).


Finalizando a introdução, Mascarenhas arremata:

“Dos 96 abaixo enumerados, 71 (74%) pertenceram ao ‘Centrão’ – coalização de parlamentares formada para lutar pelo mandato de cinco anos para o então presidente José Sarney  e contra o parlamentarismo. [“Em 2 de outubro de 1988, na página 14, sob o cabeçalho ‘Sarney promove festival de concessões de rádio e tv’, o JB enumerou 106 (!!!) emissoras negociadas com o ex-presidente Sarney, em troca de votos a favor dos cinco anos de mandato e do presidencialismo. Delas, 49 foram outorgadas a congressistas arrolados abaixo.”] Grande parte desses eram ‘fisiológicos’ e, a maioria, muito conservadora. Dos mesmos 96, 39 foram reeleitos para o Congresso, cinco permaneceram no exercício de mandato no Senado, um foi eleito deputado estadual nas eleições de 1990.” (Mascarenhas, 1997, 22)

 Nós que recém saímos de eleições para o Congresso Nacional, nesta semana que passou acompanhamos as cerimônias de diplomação dos eleitos e reeleitos, juntamente com a célere e magnânima votação por parte dos atuais representantes do povo, do reajuste dos estipêndios dos seus colegas parlamentares (mais presidente e vice) para a próxima legislatura, além da declaração de alguns dos recém eleitos sobre semelhante procedimento.

Será esta legislatura, quer dizer, com esta composição saída das eleições de outubro passado, que o país terá de se haver pelos próximos quatro anos. Período no qual, certamente, de alguma forma haverão de se posicionar concretamente sobre as demandas que se encontram postas, há anos, no Parlamento Federal pelos movimentos homossexuais do Brasil (para reavivar a memória: o direito ao reconhecimento isonômico das famílias formadas por pessoas do mesmo sexo; o direito à dignidade – não discriminação, liberdade, integridade, igualdade – de gays, travestis, lésbicas, transexuais).

Penso que manter-se atentx e informadx será imperioso.

Para fazer justiça, cito o nome de alguns daquelxs que nos apoiaram quando da Constituinte e que permanecem no cenário político, com ou sem mandato.

 RJ: Benedita da Silva; César Maia; Edmilson Valentim; Luiz Salomão; Miro Teixeira (reeleito em 2010); Paulo Ramos; Vivaldo Barbosa; Vladimir Palmeira.

SP: Delfim Netto; Eduardo Jorge; Fábio Feldmann; Florestan Fernandes
(in memorian); Irma Passoni; José Genoíno; José Serra (PMDB/PSDB, nota 3,75 no Quem foi Quem na Constituinte, do DIAP); Luiz Gushiken; Luiz Inácio Lula da Silva; Mário Covas (in memorian); Plínio de Arruda Sampaio.

E, igualmente, daqueles que votaram contra  e se omitiram ao pleito de que sfosse expressamente proibida a discriminação por motivo de orientação sexual:

Divaldo Suruagy, AL, contra, Senador, DIAP 3,75; Geraldo Bulhões, AL, ausente do Congresso, diap 7,25; Bernardo Cabral, AL, contra, ausente plenário; diap 5,5; Luiz Eduardo Magalhães, contra, centrão, diap zero; Édison Lobão, senador, pfl, ausente do plenário; centrão; diap 0,75; Aécio Neves, PMDB/PSDB, contra; diap 5,5; Humberto Lucena, senador pmdb; ausente do plenário; diap 5,5; Heráclito Fortes, PMDB, contra; DIAP 5,5; Paes Landim, PFL, contra, centrão, diap zero; arolde de oliveira, PFL, contra, Centrão, diap 0,75; Artur da Távola, contra; diap 7,75; Francisco Dornelles, centrão, contra, diap 0,75; Márcio Braga, contra, diap 7,25; rubem medina, centrão, diap 2,25; Fernando Henrique Cardoso, senador, PMDB/PSDB, presente no Congresso, mas não compareceu à votação, DIAP 5,0; Michel Temer, PMDB, DIAP 2,25, presente no Congresso, mas não compareceu à votação (…)

Pesquise por algo no Museu Bajubá

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a Política de Privacidade e os Termos de Uso, bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.

Ir para o conteúdo