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Babados da hora

Carta de Herbert Daniel Censurada no Congresso Pela Anistia de 1979: Era “Apenas Uma Bicha”



Herbert Daniel nasceu em 14 de dezembro de 1946 e foi registrado como Herbert Eustáquio de Carvalho. Adotou, na resistência à Ditadura militar implantada no Brasil em 1964, o codinome Daniel. Terminou ficando conhecido mesmo como Herbert Daniel. Permaneceu por cerca de seis anos na clandestinidade. Esteve exilado em Portugal e na França.

Não foi beneficiado pela Anistia. Somente pode retornar ao Brasil quando da prescrição de sua pena, o que se deu em 1981 – ver abaixo.

Por conta da negativa do Consulado Brasileiro em Paris em lhe fornecer o Passaporte é que Daniel escreve a carta publicada no jornal Lampião da Esquina e transcrita aqui, ao final.

Homossexual, teve também que enfrentar o preconceito de seus próprios camaradas. Isso ele conta no seu livro Meu Corpo Daria um Romance, aqui publicado pela Editora Rocco, em 1984.

Foi um dos que assinou a Ata da Assembléia de fundação do Grupo Triângulo Rosa, criado por iniciativa de João Antônio de Souza Mascarenhas, no Rio de Janeiro, em 1985, embora nunca o tivesse visto participar de nenhuma de suas reuniões. Embora isso, o Grupo apoiou sua candidatura a Deputado Estadual pelo PT em 1986, vez que assumia publicamente em sua plataforma política a questão do reconhecimento dos direitos dos homossexuais. [Ver neste blog, o documento oficial do TR comprovando esse apoio, conforme deliberação de sua Diretoria]. Embora não tenha sido eleito, jamais esteve fora da participação política, do comprometimento social.

Foi um dos primeiros à frente da luta contra o HIV/Aids, antes mesmo de saber que estava contaminado. Em 1989, trabalhou na organização do Grupo Pela Vidda/RJ – Valorização, Integração e Dignidade do Doente de Aids; ocupou o cargo de Presidente da ABIA, instituição onde também foi o primeiro editor de seu Boletim Informativo. Foi também, junto com Gabeira e Sirkis, um dos organizadores do Partido Verde (PV), que instituiu uma Fundação com o seu nome, em memória de suas lutas em prol da solidariedade, da participação cívica, do comprometimento social, da democracia, das liberdades civis.

Manteve uma relação conjugal por vinte (20) anos com Cláudio Mesquita (à direita de quem olha, nessa foto), a quem ele dedicou o Meu Corpo Daria um Romance.

Sua atuação social no combate ao preconceito e na promoção de mecanismos de proteção social foi objeto de estudo de Cristina Câmara em seu doutoramento (PPGSA-UFRJ):

Apesar de estar afastado das discussões políticas em Paris, é convidado a discutir sobre questões ligadas às minorias, que passam a ter visibilidade no momento, como a ecologia e a homossexualidade. Assim, aproxima-se da Comissão de Cultura do Comitê Brasil pela Anistia – CBA -, formado por pessoas consideradas mais lights, que propõem um debate a respeito. “Proposta indecorosa” foi o título do panfleto de divulgação do debate sobre “Homossexualidade e Política”, encaminhado por esta Comissão, em 1979, em Paris. Há muita polêmica, pois para alguns esta não passa de uma questão “absolutamente secundária” (Daniel, 1982:214). Depois de muita discussão, a proposta é retirada, mas o evento acontece como uma reunião pública na Casa do Brasil, na Cidade Universitária.

É durante o relato desse episódio que Herbert Daniel menciona um outro tipo de exílio, o imposto pelo silêncio: “O silêncio é a forma do discurso duma certa parcela da esquerda sobre a homossexualidade. É uma forma de exilar os homossexuais” (Daniel, 1982:217). O silêncio imposto pela censura, seja a da ditadura, seja a dos preconceitos, interiorizados e propagados nas relações intersubjetivas, pode funcionar como elemento chave nos vários debates que Herbert Daniel provoca. O silêncio é expresso nos seus vários escritos, através das experiências pessoais daqueles que viveram/vivem sob o cenário da ditadura ou da pandemia da aids. Um silêncio marcado por uma imposição externa, no primeiro caso, ou por uma auto-repressão e culpabilização pela homossexualidade e a aids. A ditadura e a aids aparecem como conjunturas históricas, mas a auto-reflexão sobre a homossexualidade atravessa os dois momentos. Ainda que a coerção externa seja mais forte com a ditadura, a violência simbólica está presente e não é menos importante, ao contrário, parece ser o centro da atenção do autor. Nesse sentido, o exílio se confunde com o silêncio.

No período do referido debate, em Paris, Herbert Daniel produz com Cláudio Mesquita alguns fascículos datilografados chamados “Notas Marginais”, posteriormente sintetizados e publicados, em 1983, em “Jacarés e Lobisomens: dois ensaios sobre a homossexualidade.” O último capítulo do livro – “A síndrome do preconceito” – é um dos primeiros artigos sobre a aids publicado no Brasil.(10) A partir daí começa a refletir teoricamente sobre a homossexualidade, que é vista como um assunto secundário por muitos, ou sugerida como tema para um possível núcleo gay dentro do partido político. Herbert Daniel discorda, pois considera que o debate não deve ser apenas entre os gays, mas mais amplo. Entendido como um problema mais geral, de cidadania, de respeito às diferenças, um tema de debate público por se tratar de um direito individual.

Em 1979, a anistia possibilita a volta de vários exilados, mas Herbert Daniel ainda não pode voltar ao Brasil. Sua pena só será prescrita em maio de 1981.

‘Ah, nem, que não, que não, que não escrevo assim: “foi”. Nem vê, num vou comprometer-me em relatórios. Não pode, ainda não pode, que é só 1981 e tem aí seja um general que lê, seja um esseenii que cataloga, um punho que aguarda, que não abriu. Aguardo diante dos portos que tenho fechados, neste resto de exílio que alonga ainda mais uma certa solidão que sempre me pareceu destinação inevitável e temida. Um dos últimos no exílio, já quase nem se fala em anistia – e ela nem houve, estou aqui que não me deixo mentir.’ (Daniel, 1982:146).

Decide-se a escrever uma carta que acaba restrita ao Congresso do Comitê Brasil pela Anistia e não gera repercu
ssão. Na ocasião, alguns alegam desmobilização, outros falam do seu tom pessoal na carta e ainda, que exilado não está mais na moda. Daniel resolve escrever uma segunda carta, desta vez dirigida à mãe do Henfil e este a publica.(11) Posteriormente, o jornal Lampião de Esquina – jornal gay publicado entre 1979 e 1981 – a publica na íntegra. Na apresentação da carta, o jornal relata um incidente no Congresso do CBA, quando um dos delegados presentes se opôs a leitura da carta enviada por Herbert Daniel por ele ser “simplesmente uma bicha” (Daniel, 1982:229).

Em maio de 1981, conclui o livro “Passagem para o próximo sonho”, em Paris, que procura ser um livro menos de memórias e mais de lembranças, como prefere dizer. Através das lembranças traça sua trajetória política e os doze anos vividos entre a clandestinidade e o exílio. O livro é publicado no Brasil em 1982, reunindo as discussões sobre a guerrilha àquelas sobre a homossexualidade.

Enfim, o último exilado retorna ao Brasil em 1981. Chega trazendo discussões sobre cultura, ecologia, minorias e, evidentemente, homossexualidade. O momento de maior visibilidade do Grupo Somos/SP havia passado e o jornal Lampião não existia mais.(12) No Rio de Janeiro, o Grupo Somos/RJ ainda mantinha algumas reuniões. Apesar de Herbert Daniel não ser membro de nenhum grupo gay, sempre manteve o diálogo com os ativistas. Às vezes reunindo-se com pessoas do Somos/RJ na sua própria casa. […]

No cenário político de 1986, a Plataforma de Herbert Daniel propõe alternativas: fazer da sexualidade e da ecologia problemáticas que coloquem em questão a ‘qualidade Da vida’ tendo como referências o corpo e o meio ambiente, ‘espaços históricos do humano.’

‘Toda ação política alternativa deve tentar coordenar as possibilidades de integrar as formas de luta que emergem na sociedade. É preciso estabelecer vínculos entre as lutas pelo direito à posse da terra com as lutas que buscam ecologicamente definir uma nova relação com a Terra. É preciso enlaçar a luta dos operários por melhores condições de trabalho, com a luta dos que não querem que o corpo seja um simples aparelho procriador/reprodutor/produtor. É preciso revelar as ligações entre a violência que assassina trabalhadores rurais e a violência que destrói as vidas de mulheres e travestis.’ (Deixa Aflorar, 1986:2 [Manifesto de campanha]) […]

As dificuldades na campanha [candidatura a Deputado Estadual pelo PT em 1986] vão desde o financeiro até o apoio político. Os militantes ou ex-militantes gays não aderem à campanha em peso, como esperado, por ser uma candidatura abertamente gay. Vale dizer que a relação entre Herbert Daniel e o movimento gay sempre foi permeada por divergências. Para Daniel, é necessário fazer da (homos)sexualidade um tema de debate público, mas na sua visão os grupos gays às vezes aprisionam-se a uma identidade que os leva à guetização, o que politicamente não o agrada. Sua questão central são as liberdades individuais e a mudança da sociedade e não a causa gay, ainda que problematize as questões individuais. Considera importante falar na primeira pessoa como se o engajamento em nome próprio, através da exposição de si, tomasse um valor de engajamento coletivo. Na época da campanha, em entrevista à Folha de São Paulo, falou a respeito.

‘É importante, para mim, afirmar a minha vivência homossexual exatamente para desestruturar o conceito, para desorganizar uma discriminação e ser capaz, a partir desse ponto, de discutir uma nova ética, que não separe a vida privada da vida pública, que faz do político um representante que não substitui o representado e que seja capaz de discutir a cidadania da forma mais ampla possível. Não faço disso ponto central da minha plataforma. Acho que a sexualidade é uma questão extremamente importante a ser discutida e acredito que os homossexuais que se escondem estão fazendo o jogo de uma opressão, que é uma opressão que não atinge apenas uma minoria dita homossexual, mas atinge a sexualidade de todos, na medida em que limita as possibilidades de cada um aceitar e levar adiante aquilo que são as suas diferenças. É preciso que a democracia garanta que todos possam exercer plenamente suas diferenças.’ (14)

Por conta dessa sua postura crítica, há militantes no movimento homossexual que se negam a reconhecê-lo enquanto militante pelo direito dos homossexuais à dignidade, preferindo – de maneira totalmente reducionista – vê-lo apenas como militante contra a AIDS.

O sítio do diretório da Bahia do Partido Verde traz uma biografia dele. Transcrevo um trecho, convidando para que conheçam-no integralmente:

Após este longo período de exílio pátrio imposto pelo regime militar, Herbert Daniel desenvolveu projetos políticos, ministrando palestras sobre a questão homossexual e cidadania baseadas em sua vivência na clandestinidade política e exílio. Suas reflexões políticas e seu conjunto de propostas vanguardistas abordaram temáticas tabus, dando início ao debate sobre as relações políticas até então consideradas “menos importantes”, como a homossexualidade e o machismo. Uma de suas propostas foi a inclusão da temática homossexual como pasta de discussões nos partidos de oposição que se organizavam após a abertura política. Avaliou a possibilidade de um diálogo político sobre a homossexualidade, homofobia e suas sequelas como suicídio e solidão. A questão do reconhecer a diferença, cimento básico da democracia, até então à parte da política vigente.

É fonte de inspiração para a Secretaria Nacional Contra a Discriminação, da Juventude Verde – setorial do Partido Verde, criada em 2007 e que “tem como objetivo desenvolver um trabalho amplo de conscientização e combate contra qualquer forma de preconceito, independente de raça, cor, religião ou opção sexual”:

O Partido Verde traz em sua história um grande exemplo de vida, pois um dos principais de seus fundadores, Herbert Eustáquio de Carvalho, mais conhecido como Herbert Daniel, foi um dos pioneiros na luta e defesa dos homossexuais no Brasil. Um intelectual sonhador, idealista e sem dúvida um guerreiro. O inesquecível Herbert Daniel mostrou para o Brasil, nos anos 70 e 80, que o nosso país rico em diversidades culturais, históricas e religiosas precisava ser rico, também, no respeito às pessoas.

Seu livro Alegres e Irresponsáveis Abacaxis Americanos – Imagens dos Dias do Medo (Dias, aliás, é anagrama de Aids), editado pela Espaço e Tempo, RJ, em 1987, foi objeto de análise por Antonio Carlos Borges Martins, na sua dissertação de mestr
ado em letras
no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 01/2009.

É possível acessar a sua biografia e imagens no sítio da – Fundação Verde Herbert Daniel.

Também se encontram informações a seu respeito no sítio Stonewall Brasil, na seção Militantes Históricos – a lamentar, no entanto, que seja um sítio que transcreve textos sem fazer referências às suas fontes (autoria e local de origem dos mesmos).


Eis a íntegra da Carta de Herbert Daniel, publicada no
Lampião da Esquina, março de 1980, nº 22, ano 2, pág. 10:


“O documento abaixo foi escrito por Herbert-Daniel de Carvalho, um dos exilados que restaram de fora da malha não muito fina da anistia, e que permanecem condenados a ficar longe de seu país. Ele deveria ter sido lido em Salvador, durante o Congresso pela Anistia realizado em fins do ano passado, mas acabou boicotado: O representante do CBAComitê Brasileiro pela Anistia] do Ceará, cujo nome nem merece ser citado, recusou-se a lê-lo porque, segundo ele, o signatário é ‘apenas uma bicha’.

Não cremos que seja este o aspecto mais importante da vida pessoal de Herbert-Daniel de Carvalho; mas denunciamos, aqui, o fato de que ele não apenas deixou de ser anistiado pelo governo, como também ficou de fora da anistia apregoada pelos seus supostos companheiros: os ‘progressistas’ do CBA não o perdoarão jamais por ser homossexual.

É por isso, que publicamos na íntegra, o documento que ele assinou; para que Herbert, há tanto tempo no exílio, não se sinta inteiramente órfão. Nós, homossexuais do LAMPIÃO, estamos solidários com ele, como estaríamos – atenção, pessoal do CBA – com qualquer heterossexual na mesma situação. (AS)” [Aguinaldo Silva] [

Paris, 26 de outubro de 1979. Meus amigos, não fui anistiado. Sou um dos poucos exilados que restam fora das margens que o governo quer impor entre os anistiáveis e condenáveis. Não importa quantos somos, os marginais. Importa que estamos aí para definir o (mau) caráter das medidas que o governo chama de anistia. Ao estabelecer um limite, qualquer que seja, à Anistia, o Poder conserva um trunfo: quer provar que não cede, concede.

Importante que existam os não-anistiados. Não por nós, que temos pouco significado, mas como exemplo e aviso às verdadeiras forças democráticas: continuam em vigor o exílio, a prisão política, o regime de exceção. Não é uma burra intransigência que afeta algumas pessoas, mas a tentativa de impor as regras duma ‘democracia parcial’. Não se engana ninguém, a não ser a quem o engano recompensa, o que não é o caso dos que passam na Democracia como algo mais que as aparências hipócritas de um jogo onde nem sempre ganha é o juiz, que superior ‘às paixões políticas’ nem entra na partida, mas decide a contenda.

É parte do plano, o fato de sermos muito poucos os bodes expiatórios. Ninguém vai fazer no caso de meia dúzia um deus-nos-acuda; pelo menos assim raciocinam os tecnocratas da ditadura com a sua bem conhecida mania de transformar política em aritimética. Porém, não se trata de contagem, está em questão a Democracia que não é só um pouco mais ou pouco menos de ditadura. Nunca foi decisiva a quantidade de exilados e presos, mas a existência mesma do exílio ou da cadeia. A Anistia não é só o problema pessoal de alguns renitentes: coloca um problema político de todos os brasileiros. Nunca se pediu perdão para alguns, exigimos liberdade para todos.

Por isto mesmo não escrevo como um dos ‘injustiçados’, mas como um qualquer cidadão, que continuo sendo apesar da arbitrariedade que faz que o Consulado de Paris me recuse o passaporte, ou seja, me recuse o direito à cidadania, abuso característico de um regime policialesco onde o desrespeito aos direitos elementares é a forma de fazer executar a lei (ou o seu infrator, no caso extremo, não tão extremamente rar no Brasil).

Não é absolutamente o meu caso pessoal que interessa neste momento. Quem está em discussão não sou eu, mas a anistia do governo. Não pretendo absolutamente utilizar recursos jurídicos mais ou menos astuciosos para me beneficiar dos limites da anistia, pois não creio que seja o meu caso que tem que entrar na anistia, mas é a anistia que tem que entrar em todos os casos dos que foram condenados pela ditadura. Não sou eu quem tem que tentar reduzir minhas penas, mas é a Anistia que deve se ampliar. Isto nada tem a ver com as interpretações de jurisprudência, mas com a evolução democrática do país.

Não continua somente a pequena novela do exílio de uns gatos pingados, mas a vasta história da opressão de todo um povo. Esta aí denuncio, ao falar do meu degredo. Escrevo para denunciar uma ditadura e não para começar a mover petições, processos e outros pauzinhos jurídicos para dar um jeitinho nesta anistia que quer fantasiar a restrição da liberdade. Não é com um jeitinho que se resolve a esculhambação da nossa vida política.

Aceitar fazer da Anistia uma mera questão jurídica é referendar a velha política da ditadura, que sempre tratou seus oponentes como criminosos. Minha participação política foi definida e tratada como crime – e como ‘crime comum’. Não me humilha, nem diminui ser tratado como ‘criminoso comum’. Revolta-me, seguramente como são tratados no Brasil os ‘criminosos comuns’. Por enquanto falamos duma anistia para os ‘crimes políticos’.. Um dia teremos uma democracia que nos permita discutir politicamente o crime comum. Muito bem. Até um certo motivo de orgulho. Gente melhor do que eu morreu dignamente entre ladrões e nem por isto deixou de ser menos Cristo.

No consulado me disseram: ‘No seu caso temos que esperar, por enquanto’. Esperar, porém, não é esperança – que é a coisa mais ativa que a espera de quem nunca alcança. Esperança nós fazemos, sem esperar as decisões dos poderosos. Minha esperança na Democracia me impede absolutamente de esperar resolver a volta à minha terra segundo a generosidade da Ditadura. Não há nada que a Ditadura tenha a me perdoar ou conceder. Ser anistiado não significa se arrepender diante da ditadura, mas permitir que ela reconheça alguns erros. Não somos nós, exilados e presos, que nos autocriticamos diante da ditadura, mas é um movimento popular democrático atual que obriga o governo a remendar alguns dos seus desmandos.

Nunca erramos por nos opor ao governo ditatorial – e a anistia vem para provar que se houve abuso e crime não foi da parte dos opositores. Como, aliás, o exílio, a prisão, a terrível época que sofremos todos no Brasil vêm para provar enganos políticos nossos e para exigir autocrítica. Tenho por mim que por ter participado da oposição armada à ditadura, não há nenhuma explicação a dar à ditadura. Há uma autocrítica – e feita na discussão com quem interessar possa: isto é, aos que lutam pela Democracia. Não me ‘arrependo’, não tenhoo ‘culpas’ e não acho que houve nada de conndenável no que fiz. Quando digo autocrítica, quero me referir a uum julgamento político bem preciso cuja moralidade decorre de princípios que nada têm a ver comm a culpabilidade. Hoje em dia critico a minha participação na tentiva [sic] de sublevação armada por sua ineficácia política e não por qualquer razão falsamente moralizad
ora. A forma que escolhemos na época para combater nos conduziu a um fracasso cujas conseqüências são bastante mais graves do que o desaastre do exílio e da prisão. Não há como fugir de assumir a responsabilidade duma ação política incorreta: não é pouca a responsabilidade duma ação política incorreta: não é pouca a responsabilidade que temos, todos os dessa geração que foi a minha, de não ter conseguido evitar estes sombrios anos de opressão e desespeero. Se este fracasso nos marca e acompanha, nem por isto nos destrói ou aniquila a memória, patrimônio quenão se pode perder.

Nada a esquecer, não podemos esquecer nada, pelo contrário, é preciso saber muito mais. Lembrar (e conhecer) o que foi esse tempo de silêncio e meias verdades ao som de hinos militares ou militarizados que cantavam o medo e a renúncia. A Anistia não vem para apagar fatos da nossa história recente: ela deve vir para ativar nossa memória, para fazer dessas recordações atualmente dispersas e pessoais uma observação viva na consciência coletiva da nossa gente. A Anistia não deve vir como o último ato de um erro político, mas o primeiro momento de uma renovação, onde a autocrítica não seja apenas uma declaração de intenções, mas a comemoração de avanços da Democracia.

Lembrar quer dizer renovar: a ditadura bem gostaria de fazer esquecer tudo, nenhuma conta a prestar. Acontece que ‘esquecer o passado’ aqui quer dizer esconder o presente. Não é nenhum revanchismo querer apurar asresponsabilidades [sic], pois não se trata de ‘vingar’ uma derrota – o que se quer é consolidar uma vitória.

O exílio me ensinou algumas coisas. Inclusive a saudade, que não é fictício desejo de reviver fantasmas, mas uma certa nostalgia de um futuro que não foi, embora desejado. Não quero voltar em busca de ilusões perdidas, mas gostaria de ir para a minha terra encontrar algumas esperanças.

Acho que de tudo o que eu disse fica claro quem são os amigos para quem escrevo esta carta. Vamos nos rever em breve, pessoal, já que nunca nosdesencontramos [sic]. Por aqui faz muito frio mas tenho a vantagem de saber que estou aí com vocês no mesmo barco para o mesmo porto. O que é como o batuque: um privilégio. Até breve. (Herbert-Daniel de Carvalho)”

Referências:
As fotos desta postagem são oriundas do acervo HD na Fundação que leva o seu nome. A PRIMEIRA, como se pode ver através de sua ampliação, documenta uma das primeiras manifestações contra as Mortes Sociais, decorrentes do preconceito que marcou (e ainda marca) o enfrentamento da Sida/Aids – esta foi na Cinelândia, RJ. Nela estão: Herbert Daniel, Carlos Minc, Alfredo Sirkis e Pauto Fatal (de Cavanhaque, bigode e óculos). Psiquiatra, escritor, fundador e militante e um dos Presidentes do Grupo Triângulo Rosa): http://picasaweb.google.com.br/site.hebertdaniel/ManifestacaoCinelandia#5408835862840518338

http://www.hdhotsite.justfree.com/
http://www.ifcs.ufrj.br/~ppgsa/publicacoes/programa_publicacoes_lugarprimeiro5.htm
http://memoriamhb.blogspot.com/2009/04/apoio-do-triangulo-rosa-candidatura-do.html
http://www.juventudeverde.org.br/003/00301015.asp?ttCD_CHAVE=87254
http://www.pvbahia.org/index.php?option=com_content&view=article&id=73&Itemid=131
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/aids_boletim03.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/aids_boletim16.pdf
http://www.stonewallbrasil.com/militantes1.html

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