A palavra é: Aquendar/acuendar

Aquendar/acuendar (do bajubá; do banto). V.t.d. e intr. É dos termos africanos polissêmicos por excelência, o que nos permite ter noção (pequena que seja) da riqueza desses idiomas. No Aurélia, Angelo Vip e Fred Libi (s/d. [2006?], p. 20) registram: “Chamar para prestar atenção; prestar atenção; 2. Fazer alguma função; 3. Pegar; roubar. Forma imperativa e sincopada do verbo kuein!”.
No Bajubá Odara, Jovanna Baby da Silva (2021, p. 41) registra o termo com os sentidos de usar, consumir, colocar para dentro, beber, comer: acuenda o omi* – tomar água; acuendar o omi dundum* – tomar café; acuendar otim* – beber; acuendar manhonga* – tomar banho; acuendar ajeum* – comer; além do de prestar atenção – acuenda a neca* do okó* – “olha a pica do homem”. Ela também registra as expressões: Acuenda o acué* (como “ganhar dinheiro”) e acuendar a mona (como “namorar mulher”).
Em Yeda de Castro (2001, p. 319), temos: “quendá (banto). V. (linguagem falada nos terreiros). Andar, partir, viajar. Variações: cuenda, puendá, quendô. Do quimbundo/quicongo kwenda”.
Nei Lopes (2003, p. 82 e 218) registra o termo kuenda (do quimbundo), significando ir e andar, e a interjeição coida (p. 82), presente entre os moradores do Cafundó (comunidade rural negra, a 150 km de São Paulo), como uma fórmula de despedida. Sentido confirmado, para a mesma comunidade, por Vogt e Fry (2013, p. 215 e 350) – cuendar, “de família banto”, “cf. quimbundo kuenda, ‘andar’”.
Esses últimos trazem-nos mais informações: Cuendar está entre as palavras africanas que apresentam grande variedade de sentido, que apenas pode ser compreendido a partir do contexto mais ampliado em que está sendo utilizado, com perífrases, metáforas e analogias (p. 160) : “o que cuenda vavuro no visó” – “o que anda muito nos olhos”, metáfora a expressar “a possibilidade de enxergar à distância”; cuendou para conjenga carunga – “morreu calmamente e na hora certa”; cuendar o godema no arambuá do camanaco – “andar o braço no traseiro do menino”, isto é, “bater na bunda” (p. 153, 166, 156).
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*Omi – omim (iorubá). S. (linguagem de terreiro). Água (Castro, 2001, p. 307).
Dundum – Dudu (iorubá). Adj. (linguagem de terreiro). Negro, preto. Variações: dúdú; odudu, do fon/iorubá (Castro, 2001, p. 223; Napoleão, p. 70).
Otim – s.m. (do iorubá; do bajubá). Marafo; bebida alcóolica (Castro, 2001, p. 310; Vip e Lib, s.d. [2006?], p.100).
Manhonga – maiongá (banto). V. (linguagem de terreiro). Tomar banho, cf. mayunga (Castro, 2002, p. 272).
Ajeum – (do iorubá; do bajubá). S./v.i. Comida, refeição; comer, alimentar; comer alguma coisa; provisão; carne; alimentos. Do jeun. Variações: ajeum; jeun; onjé; onje; ounje (Fonseca Jr., 1993, p. 226, 310; Beniste, 2019, p. 429, 589; Castro, 2001, p. 148, 259; 2022, p. 292, 481). “Comida, rango, gororoba, ebó” (Vip e Lib, s.d. [2006?], p. 18). No banto (quicongo e quimbundo): cudiá, cuniá, curiá, curiar, inguidiá – comer, o de comer. Do kudyá (Castro, 2001, p. 214, 254). No Cafundó foi registrado: curiá/curiar, comer, comida; curiar, bebida (Vogt e Fry, 2013, p. 353
Acué – (iorubá, fon àkué). S. (linguagem de terreiro). Dinheiro, moeda. Variações: akué, acué, aqué (Castro, 2001, p. 140, 156; 2022, p. 294).
Mona – menina, mocinha, irmã (de santo; nos terreiros de culto banto), mulher. S. (do bajubá; do banto/quimbundo, mona: criança) (Lopes, 2002, p. 154; Cacciatore, 1988, p. 175; Castro, 2001, p. 288). Vip e Lib (s.d. [2006?], p. 92) registram que, no bajubá, geralmente é empregado com o sentido de homossexual masculino.
Neca – pênis (Silva, 2021, p. 55) (Do bajubá; do iorubá/fon nekan. Cf. ocô (Castro, 2001, p. 297). No banto (quimbundo): ambere (usado no Cafundó, SP). Do mbanga, “testículo, membro viril” (Vogt e Fry, 2013, p. 340)
Okó – pênis (Portugal Filho, 2019, p. 100); ocô, aloji (linguagem de terreiro). Do iorubá okó. Cf. binga (bimba, uso popular no NE, n.e), pitoco (Castro, 2001, p. 300); okó, pênis, enxada; oko, marido, esposo; okò, canoa, veículo (Napoleão, 2011, p. 172, 1733, 162).
Referências
CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de Cultos Afro-brasileiros. Rio de Janeiro: Forense, 3a. edição revista, 1988, 264p.
CASTRO, Yeda Pessoa de. Falares africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro. Rio de Janeiro: ABL/Topbooks, 2001. 366p.
LOPES, Nei. Novo dicionário Banto do Brasil – contendo mais de 250 propostas etimológicas acolhidas pelo Dicionário Houaiss. Rio de Janeiro: Pallas, 2003. 260p.
NAPOLEÃO, Eduardo. Vocabulário Yorubá: para entender a linguagem dos orixás. Rio de Janeiro: Pallas, 2011. 224p.
PORTUGAL FILHO, Fernandez. Guia prático da língua Yorubá. São Paulo: Madras, 2019. 198p.
SILVA, Jovanna Baby Cardoso da. Bajubá odara: resumo histórico do nascimento do movimento de travestis e transexuais do Brasil. Picos, PI: Jovanna Cardoso da Silva, 2021. 96p.
VIP, Angelo; LIBI, Fred. Aurélia, a dicionária da língua afiada. São Paulo: Editora da Bispa, s/d. [2006?], 143p.
VOGT, Carlos; FRY, Peter. Cafundó: a África no Brasil. Linguagem e sociedade. Com a colaboração de Robert W. Slenes. 2. ed. Campinas: Unicamp, 2013. 416p.
