Blog

Babados da hora

ANPUH SE MOBILIZA CONTRA A DESTRUIÇÃO DE PROCESSOS FINDOS

Como já é do conhecimento de algumas pessoas, a ANPUH – Associação Nacional de História, entidade constituída em 1961 e que reúne professores e pesquisadores, tendo  dentre os seus objetivos estatutários o dever de promover “a defesa das fontes e manifestações culturais de interesse dos estudos históricos” (art. 4º, alínea “c”), vem, desde agosto do corrente ano, se manifestando publicamente contra a proposta de oficializar nacionalmente a eliminação de autos de processos judiciais findos.
Contida no artigo 967 do Projeto de Lei do Senado nº 166 (projeto de novo Código de Processo Civil), apresentado em 08 de junho último, a proposta visa, segundo o texto do manifesto público da ANPUH, “restaura[r] na íntegra, o antigo artigo 1.215 do atual Código de Processo Civil, promulgado em 1973, que autorizava a aliminação completa dos autos findos e arquivados há mais de cinco anos, ‘por incineração, destruição mecânica ou por outro meio adequado’.”

Ainda segundo a mesma fonte, “em 1975, depois  de  ampla  mobilização  da comunidade  nacional  e  internacional  de  historiadores  e  arquivistas,  a  vigência  desse artigo foi suspensa pela Lei 6.246.”

Na opinião da entidade dos Historiadores, se for aprovada semelhante proposta, “est[ar]ão novamente em risco milhares  de  processos  cíveis:  um  prejuízo  incalculável  para  a  história  do  país,  que  já arca  com  perdas  graves  na  área  da  Justiça  do  Trabalho,  uma  vez  que  a  Lei  7.627,  de 1987  (com  o  mesmo  texto  do  artigo  967),  tem  autorizado  a  destruição  de  milhares  de processos  trabalhistas  arquivados  há  mais  de  cinco  anos. Além  de  grave  agressão  à História,  a  proposta  também  fere  direitos  constitucionais  de  acesso  à  informação  e  de produção de prova jurídica. “

Daí porque a ANPUH apela ao Presidente do Senado e a todos os Senadores

“para  que  não  cometam  mais  esta  agressão  contra  a  história  do  país.  Não  é  possível escrever a História sem documentação e esta não pode continuar sendo concebida pelo Estado brasileiro e por nossos representantes no Congresso Nacional como um estorvo, como  um  lixo para  o qual se devem definir  mecanismos  de  destruição  periódica. Toda documentação   tem   valor   histórico,   todo   documento   interessa   ao   historiador,   a concepção  de  que  existem  documentos  que  são  em  si  mesmo  interessantes  para  a história  e  outras  não  é, há  muito  tempo, uma  visão  ultrapassada  em  nossa  área  de atuação.  Não  podemos  aceitar que  fique a  cargo de  um  juiz, que  não  tem  formação  na área de arquivística ou da historiografia, definir se um documento merece ser arquivado ou  não,  tem  valor  histórico  ou  não. Conclamamos  a  todas  as  instituições  que  se interessam  pela  defesa  da  memória  do  país  que  façam  coro  a  este  nosso  protesto,  para que  este  artigo  possa  ser  retirado  do  corpo  do  projeto  do  novo  Código  do  Processo Civil.

 
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
(Presidente da ANPUH-Nacional)

Eis o texto do projeto de lei que está tramitando no Senado:
 
Art. 967. Os autos poderão ser eliminados por incineração, destruição mecânica ou por outro meio adequado, findo o prazo de cinco anos, contado da data do arquivamento, publicando-se previamente no órgão oficial e em jornal local, onde houver, aviso aos interessados, com o prazo de um mês.
 
§ 1º As partes e os interessados podem requerer, às suas expensas, o desentranhamento dos documentos que juntaram aos autos ou cópia total ou parcial do feito.
 
§ 2º Se, a juízo da autoridade competente, houver nos autos documentos de valor histórico, serão estes recolhidos ao arquivo público.”



A íntegra do manifesto, a proposta de emenda e outros documentos, assim como o abaixo-assinado promovido pela entidade, podem ser acessados através da página oficial da mesma.


Também na mesma página é possível se ter acesso ao texto que informa sobre o posicionamento e a atuação da ANPUH no tocante ao direito à memória histórica sobre os eventos ocorridos no âmbito do regime ditatorial instaurado no país em 1964.

De acordo com o mesmo,

Os direitos à informação e à memória constituem na sociedade democrática contemporânea, direitos
civis, políticos e sociais. Os arquivos tornaram-se públicos, destinados aos cidadãos. A moderna arquivistica é o resultado desta mutação fundamental: trata-se de preservar o direito à informação, o acesso. O arquivo, enfim, existe para seu usuário, para atender desde a mais “desinteressada” consulta à mais especializada pesquisa.

Não pode haver democracia em países que negam e ocultam o passado em nome da “segurança do Estado”. Também não pode haver desenvolvimento da educação e da cultura onde se silencia sobre o passado, onde se nega a memória. Assim, quando um governo democraticamente eleito compactua com o autoritarismo, resguarda a tortura através de legislação de caráter duvidoso, é conivente com a queima de documentos e impede que a sociedade se defronte com seu passado torna-se ilegítimo porque negam aos cidadãos o mais básico direito: a existência enquanto seres autônomos.

Como informado neste blog em sua anterior postagem, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, abriu prazo até o próximo dia cinco (05) para manifestações públicas sobre essa proposta de destruição de processos.  Já a ANPUH, na 10ª edição de seu Boletim Eletrônico, informa que o Senado disponibilizou um link para que seja possível a participação da sociedade, com o envio de sugestões sobre o anteprojeto referido. Como o espaço encontra-se delimitado em apenas 500 caracteres, a Associação apresenta sugestão de texto, tratando diretamente da questão da necessidade da preservação das fontes históricas, no caso, dos autos de processos judiciais. Veja a íntegra do texto aqui ou abaixo:

SUGESTÕES PARA O ANTEPROJETO 166/2010

08/09/2010

O Senado disponibilizou um link que permite que os interessados enviem sugestões para o anteprojeto 166/2010 sobre o Código de Processo Civil: http://www.senado.gov.br/noticias/OpiniaoPublica/novo_cpc.asp
Seria muito interessante que todos pudessem encaminhar sugestões sobre a necessidade de alterar o artigo 967 que permite a eliminação de processos findos.
Como são apenas 500 caracteres, segue abaixo uma sugestão de texto, com 496 caracteres, com espaço. Seria interessante também que colocassem, além do nome, suas filiações institucionais (sobretudo no caso de entidades, centros de pesquisa, etc.)
Aproveito para dizer que na página do Cecult (www.unicamp.br/cecult) há um link “SOS Processos” com várias informações sobre esse tema (textos, legislação, emenda do senador Suplicy, nota técnica do Conarq, etc).
Sugestão de texto
“Em respeito ao dever de preservação do patrimônio histórico e ao direito constitucional de acesso ao Judiciário e à prova, faz-se necessária a alteração do artigo 967. Acaso aprovado como proposto, esse dispositivo colocará em risco milhares de processos que registram nossa história e constituem provas judiciais e administrativas. Apoio a Emenda apresentada pelo Sen. Eduardo Suplicy em 11.08.2010, que oferece nova redação para o artigo e estabelece diretrizes para preservar esses documentos.”

=========

Comentário da autora deste blog (inserido em 17/02/2012): Lamento não haver obtido o mesmo sucesso que a Anpuh junto a Conferência Nacional de Arquivos, em dezembro de 2011. Em 2010 no ENUDS realizado em Campinas, durante o Encontro de Pesquisadores, apresentei o problema em público e solicitei que fosse aprovada moção contra a destruição de autos findos.
Lamentavelmente, as pessoas que publicamente se encarregaram de operacionalizá-la, repassando o texto para os/as pesquisadores/as assinarem, após o envio que fiz da minuta do texto se limitaram ao silêncio.

Pesquise por algo no Museu Bajubá

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a Política de Privacidade e os Termos de Uso, bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.

Ir para o conteúdo