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Babados da hora

As violações institucionais I: o caso Rosana Lage Ligero e Marli José da Silva Barbosa

As práticas discriminatórias também se verificam de parte de agentes do Estado. Agentes históricos que são, tendem a partilhar a mesma visão de mundo presente em parcelas da sociedade, não raro reproduzindo atitudes e ações desqualificadoras e, mesmo, violadoras da integridade física das pessoas submetidas ao seu arbítrio.
Embora as torturas  contra os presos políticos sejam as mais divulgadas, as violações  contra cidadãos integrantes das chamadas parcelas vulnerabilizadas (negros, pobres, prostitutas e prostitutos, homossexuais e travestis) são parte integrante da história das instituições e agentes do estado, nodatamente as policiais e judiciárias.
A seguir trago o relato de um caso emblemático dessas práticas tão tradicionais em nossa República, dessa vez atingindo a pessoa de duas lésbicas, no estado de Pernambuco.
Tratam-se das múltiplas torturas físicas e psicológicas sofridas em junho de 1996 por Rosana Lage Ligero e Marli José da Silva Barbosa, parceiras em notória união estável desde 1994, presas em 19 de junho, acusadas de serem as mentoras intelectuais do assassinato da advogada Joseth Pessoa de Siqueira, síndica do prédio onde moravam, em Recife.

Segundo o único “testemunho”, o da senhora Rosa Maria da Silva Lima, que trabalhou na casa das acusadas por quatro meses como empregada doméstica, Marli e Rosana teriam pago Paulo Fernando e José Augusto para assassinarem Joseth.

Mesmo com endereço certo, sem antecedentes e sem flagrante, tiveram a prisão preventiva decretada, permanecendo detidas durante onze meses.

Durante dois dias elas teriam sido submetidas, na Delegacia Policial de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana de Recife, a espancamentos com tiras de borracha de pneu nos peitos e nas solas dos pés. Rosana teria tomado um tapa no rosto do delegado Evaristo Ferreira Neto e sido agredida verbalmente pela sua relação com Marli. Um dos policiais teria ameaçado Marli sexualmente. Esse mesmo policial se despiu e despiu Rosana, mas ao descobrir que ela estava menstruada, a puxou pelos cabelos e esfregou o seu pênis em seu rosto.

Durante esses dois dias elas foram privadas de água, alimento, higiene pessoal e contato com advogado. Quando finalmente lhes foi permitido se banhar, foi em presença de policial e detentos do sexo masculino.

Antes de elas serem transferidas elas puderam falar brevemente com um advogado. Na carceragem para onde foram transferidas permaneceram incomunicáveis por quatro dias. Enquanto isso os seus advogados tentavam descobrir o seu paradeiro. 
Quando finalmente foram transferidos para uma custódia feminina, a equipe custodiante constatou que elas exibiam ferimentos e tentou persuadí-las a se submeterem a exame de corpo de delito. Elas, por receio de novas agressões, pois a locomoção para o Instituto Médico Legal era realizada pelos mesmos agentes policiais que a torturaram, se recusaram. 
Em 17 de Julho 1996, elas foram outra vez levadas da prisão para mais uma sessão de interrogatório na Delegacia de Polícia. Mas o interrogatório foi interrompido pela intervenção de seu advogado e do diretor da prisão. No entanto, elas foram submetidas a fotografias contra a sua vontade, supostamente por repórteres de jornais. Quando elas protestaram, foram espancadas novamente. 
 Pelos policiais elas teriam sido apresentadas à imprensa como as “lésbicas homicidas“. 
Segundo o relatório do caso apresentado pela ILGA, por terem se recusado “a assinar uma confissão escrita e pagar um suborno exigido pela polícia”, elas “foram transferidas para vários centros de detenção e, posteriormente, transferidas para uma prisão onde permaneceram presas por 11 meses. 
Submetidas a exame de corpo de delito, o Instituto Médico Legal de Pernambuco teria confirmado as agressões sofridas. 
O delegado, posteriormente promovido como “Delegado Especial”, tornou-se ainda diretor da Polícia Civil para a divisão metropolitana de Recife. Segundo ele, tais acusações não passam de estratégia para sensibilizar a opinião pública e impedir o julgamento.  
A prisão preventiva apenas foi revogada em 2 de junho de 1997. Durante essa audiência no Tribunal de Justiça do Estado, os integrantes do Tribunal do Juri e agentes da Polícia Civil a elas se teriam referido como “as homossexuais”. Elas, perante o juiz, denunciaram os maus tratos e torturas praticados pela polícia. O juiz, porém, não teria adotado qualquer medidas para investigar as alegações, apesar da existência de Laudo Médico e testemunha ocular. 
Embora não existissem provas de que elas haviam se encontrado ou falado com os outros dois acusados ​​no caso, Paulo Fernando e José Augusto, e muito menos lhes ter pago qualquer importância, elas foram condenadas como co-autoras do crime. 
O caso foi denunciado por intermédio do Coletivo de Feministas Lésbicas/SP na Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, que formulou a denúncia perante idêntica Comissão na Câmara dos Deputados, em Brasília. 
A audiência na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal se deu em 25 de agosto de 1999, quatro dias após o Seminário sobre Direitos Humanos e Cidadania Homossexual, realizado no plenário 9 do Anexo II, em conjunto com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, no qual foram apresentados dossiês e denúncias sobre a violação dos direitos humanos dos cidadãos homossexuais no país, inclusive o caso em referência
Nesta mesma data (21/08/1999) foi procedida a assinatura e divulgação da “Carta de Brasília” na qual as entidades de defesa dos direitos dos homossexuais presentes ao evento solicitaram das autoridades constituídas nas diversas esferas de poder, ações concretas no sentido da apuração, punição e combate às violações e discriminações sofridas (segundo o sítio do Grupo Rosa Vermelha de Ribeirão Preto/SP, assinaram a Carta, além da ABGLT, o Grupo Arco-Íris de Conscientização de Homossexuais/RJ, Associação Goiana de Gays, Lésbicas e Travestis/GO, Corsa – Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor/SP, Núcleo de Gays e Lésbicas do PT/SP, Núcleo de Gays e Lésbicas do PT/GO, Grupo Gay da Bahia, Grupo Lésbico da Bahia, Grupo Dignidade/PR, Grupo Lésbico de Goiás e Grupo Estruturação/DF). 
O Seminário, promovido em conjunto com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, segundo o Relatório de Atividades de 1999 da CDHCD, contou com a
participação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis – ABGLT, e Fórum Paulista da Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros, Grupo Corsa, Associação de Travestis e Liberados-RJ, Grupo Gay da Bahia e Núcleo de Gays e Lésbicas do PT. 
O caso foi incluído no relatório da ONG Anistia Internacional sobre violação dos direitos humanos no Brasil e constou do sítio da ILGA, onde se solicitava o envio de cartas ao Presidente da República (Fernando Henrique Cardoso) e ao Ministro da Justiça (Renan Calheiros). 
Nesta página da ILGA encontram-se informações detalhadas sobre o caso, inclusive que “Todas essas denúncias foram feitas ao juiz Silvania Esperia da Silva, do 3 º Distrito do Município de Jaboatão, Pernambuco, que não tomou nenhuma ação.” 
Diz ainda o relatório da ILGA / ABGLT: “Dois recursos foram impetrados perante o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, pedindo a sua absolvição, reafirmando a sua inocência e demonstrando todos os erros cometidos, tanto nas investigações policiais, quanto na decisão do Tribunal. Ambos foram indeferidos.” 

 “Em seguida se teria recorrido ao Supremo Tribunal Federal, especificamente pelo Ministro Vicente Leal, da 6 ª Câmara”.

Embora toda a repercussão nacional e internacional, a única informação que obtive a respeito do desfecho desse caso foi a mensagem eletrônica firmada apenas como “CDHM da Câmara dos Deputados”, em resposta à consulta que formulei em 13/12/2004 e que afirma, litteris
“- quanto ao resultado final, informamos que não foi aberto sequer sindicância para apurar as denúncias de tortura sofridas pelas 2 moças, apesar das pressões havidas; – quanto à comprovação das torturas, informamos que não foram comprovadas; – com referência a se foram absolvidas, comunicamos que foram absolvidas no STJ, da denúncia de homicídio. Atenciosamente, CDHM da Câmara dos Deputados” 
Mensagens eletrônicas por mim enviadas às principais entidades de defesa dos direitos dos homossexuais (ABGLT, CORSA/SP, GGB, Arco-Íris/RJ), à Anistia Internacional; ao Secretário Nilmário Miranda (então Deputado Federal, membro da CDHCD) e à Ilga, solicitando informações acerca do desfecho desse e do “caso Renildo,” até a presente data (14/01/2005) não receberam quaisquer respostas, embora eu houvesse me identificado enquanto pesquisadora e mestranda.
Referências
DROPA, Romualdo Flávio. Direitos humanos no Brasil: a exclusão dos homossexuais. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 341, 13 jun. 2004. Ver em: http://www.advogado.adv.br/artigos/2003/romualdoflaviodropa/direitoshumanoshomo.htm 
http://www.terra.com.br/istoegente/07/reportagens/rep_marli.htm
http://www.terra.com.br/istoegente/07/reportagens/rep_marli.htm;
http://geocities.yahoo.com.br/cidadaniarv/temaa.htm
http://geocities.yahoo.com.br/cidadaniarv/temaa.htm; 
http://www.amnistiainternacional.org/publica/ct_tortura/capitulo2-t.pdf
http://www.iglhrc.org/cgi-bin/low/article/takeaction/partners/133.html
http://www.iglhrc.org/cgi-bin/low/article/takeaction/partners/133.html, de 07/01/1999. 
http://www.amnesty.org/fr/library/asset/AMR19/026/1999/en/91dd74c2-e009-11dd-be0f-b562ab8ac90b/amr190261999en.pdf

https://groups.google.com/forum/?fromgroups=#!topic/misc.activism.progressive

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