Casamentos dissidentes: Dorival Rocha Reples e Idalina Aversani - 1929 - EP1

Por Luiz Morando*

Dorival Rocha Reples nasceu em Piracicaba (SP), em 1901. Ele conheceu sua futura esposa Idalina Aversani em 1928, em Ribeirão Preto. Namoraram, noivaram em janeiro de 1929 e casaram-se em um cartório de registro civil de Ribeirão Preto em outubro do mesmo ano. Em junho de 1930, mudaram-se para Belo Horizonte, onde passaram a residir na rua Bonfim, 110, muito próximo a uma região boêmia da capital mineira. Tudo transcorria bem: Dorival trabalhava como alfaiate, no centro da cidade; Idalina cuidava da casa. Tinham uma vida social comum, coerente com o que a condição financeira permitia ao casal. Eram pacatos e pareciam ser bem relacionados com a vizinhança.

Mas, como já dizia o filósofo, o inferno são os outros. Pela versão mais corrente, Pedro de Castro Guimarães cismou com a aparência do discreto casal e passou a segui-los nos momentos de lazer. Assim, no dia 7 de setembro de 1931, na fila da bilheteria do Cine Vitória, Guimarães posicionou-se de modo a esbarrar e facilitar um “encontro de corpos”. Isto é, em seu depoimento Guimarães sugere que propositalmente esbarrou em Dorival de modo a que sua mão pudesse, em contato com o corpo de Dorival, comprovar que ele não era homem! Após o fim da sessão, Guimarães seguiu o casal até seu endereço, chamou um policial de serviço ali perto e contou de sua suspeita: o homem não era homem. O guarda imediatamente abordou o casal e levou-o à delegacia. Apesar de sua identidade de gênero bem consolidada, mas pressionado pelo delegado, Dorival teve que confessar que possuía seios e vagina.

O caso estourou na imprensa belo-horizontina e nacional. O mês de setembro inteiro foi um terror para o casal. Dorival e Idalina foram levados para São Paulo. No percurso, em todas as estações ferroviárias havia um grande número de pessoas à espera para ver o casal. Na chegada a São Paulo, Idalina foi conduzida a Ribeirão Preto e entregue a seus pais. Dorival foi obrigado a usar roupas atribuídas ao sexo feminino e processado, mas se suicidou no ano seguinte.

Mesmo com todos os aspectos estarrecedores do caso (incluindo duas tentativas de suicídio por Dorival após a publicidade do caso), ele é revelador de uma busca incontida pela identidade de gênero de um homem. Vejam só.

Em 1925, com repercussão em jornais do Rio de Janeiro, Curitiba, Recife e São Luiz, dentre outras cidades, nosso Dorival adotara a identidade Nelson Ribas, estava instalado em Bauru como alfaiate e havia se casado em um cartório de registro civil com uma mulher. O casal foi denunciado; o casamento, anulado e Nelson foi embora de Bauru.

Em 1927, com a identidade de Armando Frontini, alfaiate, em São Paulo capital, Dorival foi acusado de seduzir a mulher de um malandro. Ameaçado por este e vendo-se em perigo, ele seguiu para Ribeirão Preto, onde conheceu Idalina.

Para escapar à polícia e tentar reconstruir a vida em outro local, Dorival mudou seu nome (Nelson – Armando – Dorival), mas manteve a profissão e a tendência a construir uma relação estável com uma mulher. Em um relativo curto espaço de tempo (1925 a 1931) e com a imprensa em seu encalço nos dois primeiros momentos, ele consegue reconstituir sua vida em pequenos centros (Bauru, Ribeirão Preto e Belo Horizonte) até ser delatado por alguém. É curioso ver um ciclo que se repete, não apenas no caso específico de Dorival, mas também em outros que o sucedem. E mais interessante ainda é a resistência/persistência por se manter fiel a uma lógica interna e a uma identidade.

 

*Luiz Morando é co-fundador do Museu Bajubá, onde exerce a vice-presidência e a coordenação da Estação Belo Horizonte.

Fotos:

1. Dorival – Idalina 1 – ANI 16-09-1931 Crédito: A Noite Ilustrada, Rio de Janeiro, ano II, n. 76, 16/09/1931, p. 16 Acervo: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

2. Dorival – AN 12-09-1931 Crédito: A Noite, Rio de Janeiro, ano XXI, n. 7.112, 12/09/1931, p. 1, 3 Acervo: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

3. Dorival – Nelson – AN 07-04-1925 Crédito: A Noite, Rio de Janeiro, ano XV, n. 4.802, 07/04/1925, p. 1 Acervo: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

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