De menina da pastinha a uma das maiores escritoras do Brasil: Cassandra Rios faz 90 anos

Foto: José Castro, Revista Manchete, 1974. Acervo Kyara Vieira

É preciso comemorar a vida a despeito de todos os desafios enfrentados! É preciso comemorar a existência daquela que, se viva estivesse, completaria 90 anos em 2022. Falo de Cassandra Rios! Autora paulistana que atravessou o século XX e chacoalhou as estruturas da sociedade em seus pilares mais sacralizados e cristalizados. Aquela que rompeu as margens não apenas do que era permitido às mulheres, mas da profissão de escritora ainda na década de 1940. Aquela que revolucionou a literatura não apenas pelo seu sucesso, mas também por criar personagens femininas sexuadas, e por falar do amor em suas múltiplas formas. Aquela que foi tantas e assumiu tantas posições e profissões. Aquela que atravessou a ditadura civil militar brasileira defendendo a livre expressão, e o direito de existir para além da heteronormatividade.

Foto de Luigi Mamprin, Revista Realidade, 1970. Acervo Kyara Vieira

Aqui apresentamos algumas informações dessa escritora ousada e destemida, convidando você para em seguida visitar a exposição construída em sua homenagem, clicando no convite, ao final.

Em 3 de outubro de 1932, na capital paulistana, Cassandra Rios nasceu Odette Rios, que na Revista Manchete de 1974 (nº 1176) dizia se considerar “Odete Rios Pérez Perañes Gonzales Hernández Arellano”. Filha caçula de mãe e pai descendentes de espanhóis, Dona Damiana e Seu Graciano. Dona Damiana Rios era filha mais velha (das sete filhas) do casal Antonio Rios, e de Elvira Perez. Vinda de Tameirón La Gudiña (Província de Orense-Espanha), D. Damiana chegou ao Brasil em 1921 com 17 anos e morreu aos 95 anos em Petrópolis. Seu pai, Graciano Rios, era filho de Elisa Perez e Lauriano Fernandes. Ao chegar ao Brasil trabalhou no ramo alimentício e teve uma panificadora. Em decorrência da diabetes, ficou cego, e faleceu em 1967 aos 74 anos. (RIOS, 2000, pp. 114, 217, 229, 233, 235).

Tinha como irmãs Judith, a mais velha que se tornaria pintora e era mãe de Nelson e Núbia (RIOS, 1977, p. 72) e Ruth, que morreu com 50 e poucos anos de edema pulmonar, deixando sua filha Liz Rios, que tinha uma relação muito próxima com a tia Cassandra (RIOS, 2000, p. 225; RIOS, 1977, 137).

Capa livro A Censura, 1977, Revista TPM, 2001. Acervo Kyara Vieira

Cassandra Rios morou parte de sua vida com sua família primária na rua João Ramalho, nº 805, casa nº 03, no bairro de Perdizes. A história do bairro começou em 1850, quando Joaquim Alves Fidelis, vendedor de garapa, e Maria de Santa Rixa fixaram residência próxima à região do Pacaembu.

As muitas árvores nativas na região permitiram que o fundo do terreno do casal se tornasse o “quintal das Perdizes”, devido aos muitos exemplares de perdiz, uma ave muito barulhenta, que ali se abrigavam.

Em 1897 a região foi oficializada na planta da cidade de São Paulo, e resistiu até os anos 1940 à modernização e à industrialização, quando se deu o desenvolvimento da região com a chegada do bonde a Perdizes, com uma linha que ligava o bairro à Praça do Correio, e outra linha que ligava o largo das Perdizes e da Pompeia com a Barra Funda.

Bairro Perdizes, Rua Caiubi, início anos 1960.

Cassandra conservou quarto em Perdizes, aonde ia às vezes para escrever, mesmo após sair de casa para morar em seu apartamento no centro da cidade, na rua Cesário Mota Jr, nº 284, no bairro Santa Cecília (Revista Isto É, 1979, p. 61; Jornal Folha de São Paulo, 1982, p. 3), onde viveu até seus últimos dias de vida.

Vista aérea do bairro de Santa Cecília, em 1969.

O bairro de Santa Cecília foi marcado pelo luxo dos casarões e mansões dos fazendeiros de café de fins do século XIX, começo do XX. Agregou moradores da classe média alta, que compraram apartamentos em prédios construídos devido à especulação imobiliária a partir da década 1930. Segundo Cassandra Rios, esse apartamento foi comprado por ela na década de 1950, quando o bairro ainda respirava ares da circulação do dinheiro, que foram se transformando a partir da década de 1970, com o esvaziamento e decadência da região central de São Paulo devido à transferência de várias atividades comerciais para a Avenida Paulista.

Revista TPM, 2001. Acervo Kyara Vieira

Cassandra estudou o primário no colégio de freiras Santa Marcelina e o ginásio na escola particular Ginásio de Perdizes (RIOS, 2000, p. 40). Na adolescência, foi Bandeirante (escoteira) da Companhia Atalaia.

Aos 18 anos fazia parte da “Orquestra Feminina das Américas”, banda só de mulheres, regida por Terezinha Pereira do Vale, na qual Cassandra era “percussionista, e crooner, tocando bateria, afuchê (sic), maracas, timbale e violão, fazendo as vezes dupla com a cantora Nairzinha de Alencar” (Revista Fatos e Fatos, 1983, p. 61; RIOS, 2000, p. 151). A Orquestra Feminina das Américas é a Orquestra Feminina de São Paulo, primeira orquestra feminina da América Latina, criada em São Paulo pela mineira Dinorá de Carvalho, primeira mulher a dirigir uma orquestra no Brasil e a entrar para a Academia Brasileira de Música. (CARVALHO, 2001).

Nas salas criadas para a exposição, demarcadas por eixos, você conhecerá mais sobre a autora, sua obra e a censura que se abateu sobre as suas produções; a apreensão das edições e tiragens dos seus livros, levando-a à falência; o preconceito e a discriminação que foi alvo, mesmo de seus pares escritores; a fase do envelhecimento, doença e morte. Esperamos que você tenha o mesmo prazer em percorrê-la que nós tivemos em prepará-la.

– Queira entrar

Todas as pessoas são muito bem-vindas!

Equipe:

Curadoria: Kyara Vieira

Pesquisa, percurso expográfico e textos curatoriais: Kyara Vieira

Tratamento imagens: Rita Colaço & Dandara Souza

Tainacan: Dandara Souza

Página: Rita Colaço

Referências

Adiada anteestreia beneficente. O Estado de São Paulo. São Paulo, 2 de abr. de 1959, p. 9.

ALCURE, Lenira. Cassandra Rios: “O homossexualismo virou profissão”. Revista Fatos e Fotos. Ano XX, nº 1. 115, Rio de Janeiro, 6 de jan. de 1983, pp. 60-62.

ALMEIDA, Miguel. Os mistérios e fascínio nas noites de Cassandra Rios. Jornal Folha de São Paulo. São Paulo, 24 de novembro de 1982, p. 3. Folha Ilustrada.

AMARAL, Pedro. Meninas más, mulheres nuas. Adelaide Carraro e Cassandra Rios no panorama literário brasileiro. (Tese de Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Letras. PUC-RIO. Rio de Janeiro, 2010.

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume II. Brasília: CNV,2014. 416p. Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_2_digital.pdf

CARVALHO, Flávio. Canções de Dinorá de Carvalho: uma Análise Interpretativa. Campinas: Editora UNICAMP, 2001.

Cassandra Rios: a Safo de Perdizes. Direção: KORICH, Hanna. São Paulo, 62 min. 2013.

CIRILO, Ione. Cassandra Rios: Um milhão de leitores, 36 livros apreendidos. Jornal Pasquim. Ano VIII, nº 373, Rio de Janeiro, 20 a 26 de ago. de1976, pp. 6-9.

COSTA, Mirian Paglia; et al. Cassandra Rios ainda resiste. Jornal Lampião da Esquina. Ano 1, nº 5, Rio de Janeiro, out. de 1978, pp. 8-10.

GANDARA, Nello Pedro. Cassandra Rios: ela já vendeu mais de um milhão de livros. In. Revista Manchete. Nº 1. 176. Rio de Janeiro, 02 de novembro de 1974, pp. 54-57.

GARCIA, Miliandre. A censura de costumes no Brasil: da institucionalização da censura teatral no século XIX à extinção da censura da Constituição de 1988. Trabalho apresentado à Coordenação-Geral de Pesquisa e Editoração-CGPE como parte dos requisitos necessários à conclusão da bolsa-pesquisador do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa da Fundação Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: https://antigo.bn.gov.br/sites/default/files/documentos/producao/pesquisa/censura-costumes-brasil-institucionalizacao-censura-teatral/miliandregarcia.pdf

Jorge Amado elogia o romance brasileiro. Diário de Pernambuco. Recife, 21 de jan. de 1978, p. A-7.

LUNA. Fernando. A perseguida. Revista TPM. São Paulo: Trip Propaganda e Editora, n.3, pp.2-11, jul.2001.

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RIOS, Cassandra. Censura. Minha luta meu amor. São Paulo: Global Editora, 1977.

_____Mezzamaro, flores e Cassis. O pecado de Cassandra. São Paulo: Pétalas, 2000.

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Televisão. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 27 e 28 de set. de 1970, p. 4.

“Uma mulher proibida”. O Estado de São Paulo. São Paulo, 30 de jan. de 1959, p. 7. Notícias de Teatro.

VIEIRA, Kyara Maria de Almeida Vieira. “Onde estão as respostas para as minhas perguntas?”: Cassandra Rios – a construção do nome e a vida escrita enquanto tragédia de folhetim (1955-2001). Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2014.

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