10 de dezembro de 1962

Cássia Eller, 60 anos!

* 10/12/1962 + 29/12/2001
Cássia Eller no início da gravidez, 1993. Foto: Masaomi Mochizuki, Rev. Manchete, Acervo Bb. Nacional

Cássia Rejane Eller, seu nome civil, foi uma cantora (rock, funk e blues) e multi-instrumentista de grande sucesso na década de 1990 e início dos anos 2000, quando faleceu, em 29 de dezembro de 2001. Era filha do casal  Nanci Ribeiro, dona de casa, e Altair Eller,  sargento paraquedista, com cinco filhos no total.  Embora não tenha chegado a concluir o segundo grau, Cássia Eller, em seus anos formativos, teve o privilégio de ser exposta a várias culturas, dadas as mudanças na lotação de seu pai militar.  Das zonas oeste e norte do Rio de Janeiro para Brasília, passou por Santarém (PA) e Belo Horizonte (MG), para onde retornou, quando decidiu construir trajetória longe da casa de origem. Já trazia em sua bagagem ricas e diversificadas experiências de trabalhos, seja em corais (destaque para o que acompanhava Osvaldo Montenegro, em Brasília), óperas , grupos de samba e forró, teatros, trio-elétrico e bares, cantando ou tocando.

De forte personalidade, intensa, irrequieta, também foi garçonete, cozinheira, secretária (por três dias, no Ministério da Agricultura, no DF), redatora, tradutora e pedreira (“fiz massa e assentei tijolos”, em Belo Horizonte). Cássia era, antes do mais, uma mulher com as marcas do seu tempo e lugar – das lutas das mulheres por autonomia e das pessoas então chamadas apenas como “homossexuais”, por visibilidade e respeito.

Embora em 1997 ela fosse citada como uma artista que se recusava a falar sobre sua sexualidade com jornalistas, em 2001 já havia assumido publicamente sua orientação sexual e o seu relacionamento homoerótico com Maria Eugênia Vieira Martins, sua companheira desde 1986. Tornou-se, com isso, das raríssimas lésbicas da MPB a assumir publicamente a sua lesbianidade, atitude inaugurada, ainda nos anos de 1970, com Leci Brandão.

“Sou mulher, sou pobre, sapatão, mãe solteira (…). Tem de saber lidar com o preconceito“, teria dito em maio de 2001, embora em 1997 reconhecesse a sua origem como classe média, semelhantemente a Cazuza.

Em 1999, foto de José Renato. Rev. Manchete, Acervo Bb. Nacional.

Em 1989, auxiliada pelo tio Anderson, que terminou sendo o seu primeiro empresário, conseguiu ter uma fita ouvida por diretores da Polygram. No ano seguinte, com contrato assinado, teve início a sua carreira discográfica, que logo alcançou o sucesso.   

Sua voz rouca (“mezzosoprano”) e seu estilo rebelde e intimista, conquistaram uma legião de fãs. Acumulou sucessos e prêmios, em sua breve vida e carreira. 

“Eu estudei um tempo com o pessoal da Universidade de Brasília e participei da montagem de duas óperas, uma em Brasília e outra em Belo Horizonte”, contou, em 1993, para a Manchete.

Mas sua grande referência teria sido mesmo os Beatles, cuja interpretação iniciou fazendo:

Quando eu tinha 13 para 14 anos os Beatles mandavam na minha vida, eu lia e ouvia tudo deles“, contou, na mesma Manchete, acrescentando que depois de conhecê-los tornou-se “uma tremenda rebelde”.

Com 7 meses de gestação, 1993. Foto Cristina Hirstch, Rev. Manchete, Acervo Bb. Nacional

Cássia Eller havia declarado em entrevista o desejo de deixar estabelecido tanto os direitos de Eugênia quanto a vontade de que, em caso de alguma eventualidade, a guarda do filho Chicão ficasse com ela.  Mas não  fez. Faleceu em 29 de dezembro de 2001, numa emergência cardiológica (ela era cardiopata). Na imprensa, apressadas e irresponsáveis afirmações de que teria sido por uso de drogas. Porém Cássia já estava em abstinência de álcool e drogas. Havia se submetido a anos de tratamento, após reconhecer o que amigos e Eugênia advertiam: estava destruindo sua vida e carreira. Eugênia recorreu ao Judiciário para provar a causa da morte. E conseguiu: não foram encontrados quaisquer vestígios de droga ou álcool na urina ou vísceras dela, disse o laudo pericial do Instituto Médico Legal. Mas não havia feito o testamento ou a escritura de contrato de parceria civil.

Isso deu margem a que o seu pai, o militar reformado Altair Eller, ajuizasse pedido de guarda do neto, ignorando completamente os vínculos afetivos consolidados entre a mãe Eugênia e a criança, então com oito anos de idade. A classe artística, a mãe, os irmãos de Cássia Eller e o movimento LGBT, se solidarizaram com Eugênia. Destacavam os laços construídos entre Chicão e Eugênia, também mãe, desde a gestação.  A repercussão do caso fez com que a sociedade brasileira enfrentasse a discussão sobre o necessário reconhecimento dos direitos das conjugalidades homoafetivas.

Em 31 de outubro de 2002, o juiz Luiz Felipe Francisco, da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões da Capital do RJ, encerrou o caso. Após ouvir a criança, conseguiu que o avô concordasse na fixação da tutela de Francisco Ribeiro Eller (nome artístico Chico Chico) para Maria Eugênia. Ao avô foi garantido o direito de visitá-lo duas vezes no ano.

Somente em maio de 2011, em decorrência de ação ajuizada pelo governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, por iniciativa de Carlos Tufvesson (ADPF 132, encampada posteriormente pela ADI nº 4.277), o STF reconheceu a isonomia entre as conjugalidades homo e heterossexuais. O efeito de tal reconhecimento era, conforme determinação constitucional, o mesmo tratamento jurídico prescrito para as uniões estáveis heterossexuais. Isto é, o dever de o estado facilitar a sua conversão em casamento. Como vários cartórios se recusassem a cumprir a sentença, o CNJ, por provocação de entidades do movimento LGBT,  baixou, em 2013, Resolução determinando o cumprimento integral dos efeitos da sentença, em todo território nacional (Resolução n. 175/2013).

Para saber sobre a produção musical, discografia e premiações de Cássia Eller, consulte o Dicionário Cravo Albin da MPB, seção artistas/Cassia Eller.

Cássia, Chicão e Eugênia. Acervo pessoa de Eugênia, na web.

Referências:

Hemeroteca da Biblioteca Nacional

https://memoriamhb.blogspot.com/2012/06/leci-brandao-essa-tal-criatura.html

https://www.diariodecuiaba.com.br/azul/conheca-a-historia-de-cassia-eller/83445

http://cassiaeller.br.tripod.com/

https://www.terra.com.br/exclusivo/cassia_eller.htm

https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/o-legado-de-cassia-eller-lembre-como-foi-a-luta-pela-guarda-de-chicao

https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1754

https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/21285514

Pesquise por algo no Museu Bajubá

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a Política de Privacidade e os Termos de Uso, bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.

Pular para o conteúdo