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Babados da hora

Clodovil: Em 1972, com uma visão estratégica da moda como economia de exportação

Para as pessoas que hoje contam até, aproximadamente, quarenta, quarenta e cinco anos de idade, a figura de Clodovil Hernandez provavelmente represente apenas um gay egodistônico, preconceituoso, racista, machista, alienado politicamente e folclórico.
É razoável que assim seja, na medida em que esses jovens possivelmente apenas tenham tido acesso a um aspecto da personalidade daquele que foi um dos mais destacados figurinistas das elites econômicas e culturais, apresentador de televisão e, por último, deputado federal, tendo se tornado notório em todas elas muito mais pela verve polêmica do que pelos seus outros atributos.
O mesmo aconteceu com a grande intérprete de Noel Rosa, Aracy de Almeida, que ficou conhecida pelas mais recentes gerações apenas através da persona antipática e desagradável que encarnava no programa de auditório de Silvio Santos, tendo ficado ofuscada a sua grande relevância para a música popular brasileira como intérprete e como mulher, dado o seu protagonismo em profissão então vedada às moças de boa família.
Entretanto, como nem Aracy de Almeida, Rogéria, Agnaldo Timóteo, Clodovil ou qualquer pessoa pode ser vista somente a partir de uma ótica reducionista, trago algumas informações outras sobre esse personagem homossexual.
Aos trinta e cinco anos de idade no ano do sesquicentenário da independência do Brasil, no auge da repressão militar e da censura, Clodovil já era um costureiro (figurinista) reconhecido, tendo seu nome distinguido ao lado de Denner Pamplona, outro grande nome da chamada alta costura no país. Também já estava consagrado como dotado de uma língua afiada. Contava com um ateliê em São Paulo, nos fundos do qual funcionava a butique também de sua propriedade, onde vendia algumas de suas peças.  
Mas um seu aspecto absolutamente não destacado era a sua visão sobre a indústria da moda como estratégica para a economia do país.  
Sim, a sua língua não servia apenas para atingir seus desafetos. Ela era o sintoma de uma capacidade crítica aguda que, enquanto profissional da moda, lhe permitia uma análise bastante arguta sobre o estado de desenvolvimento em que se encontrava esse importante campo da economia naquela ocasião.

Numa entrevista para as páginas amarelas de Veja, produzida pelo jornalista Leo Gilson Ribeiro, Clodovil revela-se como Profissional rigoroso e perfeccionista, avesso a improvisações, mas reconhecedor da capacidade criativa brasileira.

Defendia a profissionalização das costureiras, seja para a “alta costura”, seja para a moda industrial. Criticava a “colonização” da moda brasileira de então e defendia uma política de estado para o setor.

Dizia-se, na época, que o Brasil pagava cerca de US$ 500.000 dólares/ano de “royalties” para os costureiros estrangeiros. Clodovil estimava que o valor poderia ser ainda muito mais elevado e chamava atenção que o país poderia arrecadar valores ainda mais expressivos do que esse, se houvesse sensibilidade para a atividade enquanto indústria, com capacitação profissional e uso da propaganda: 

“Os fabricantes vão à Europa, trazem amostra de dois ou três anos passados e lançam aqui coisas que já estão ‘demodées’ e que pra nós não interessam, quando poderíamos inclusive estar estimulando uma nova classe de artistas, que desenhariam estampados exclusivamente brasileiros, de acordo com as nossas mulheres, nosso clima e a nossa cultura, sobretudo.”

“Seria preciso que a indústria têxtil brasileira acompanhasse o nível de crescimento dos figurinistas [hoje, colonizadamente chamados de designers de moda brasileiros], o que ela não faz.”
“”O Brasil deixa de ganhar muito mais do que isso deixando de exportar nomes brasileiros.Seriam milhares de pessoas a mais trabalhando, se realmente a gente conseguisse criar uma moda brasileira de exportação,   a necessidade de botar mais gente trabalhando com confecção, em curtumes, em metalurgia, em sapataria,  enfim, em mil coisas, seria enorme!”

Em 2004 foi alvo de assédio dos integrantes do programa “Pânico na TV”, transmitido pela mesma emissora onde Clodovil tinha um programa. Eles o perseguiram por dois dias. Se postavam à frente do edifício de sua residência, faziam filmagens, assediaram outros moradores, dirigindo-lhes perguntas sobre o vizinho famoso e terminaram por aproveitar a entrada de um automóvel para invadir o condomínio. Muito depois de várias ações de ridicularização, com frases de duplo sentido com referências sempre sobre sexo anal, diante da saída do automóvel do figurinista, os “humoristas” saíram em sua perseguição. Essa perseguição implacável rendeu sete programas no Pânico.  
Embora no colégio interno de padres, quando criança, costumasse se sair bem das dinâmicas de estigmatização,  Clodovil adulto não primava pelo controle de suas emoções. Terminou por se deixar atingir pela ridicularização e perseguição sistemáticas e, ao vivo, em seu programa na televisão “A Casa é Sua”, que apresentava há um ano, fez críticas àquela atitude e, ainda, às suas condições de trabalho em relação à estrutura de produção do “Pânico”. Terminou por abandonar o programa em seguida, para não mais voltar. Dois dias depois, a emissora o demitiu. Somente em 2007 ele retornaria à televisão.
Os homossexuais foram muito utilizados, no início da televisão no Brasil, para a adesão e consolidação da audiência “popular”. O mote era fazê-los exacerbar trejeitos, gestual, afetação, enfim.

Foram utilizados como clowns ou bobos-da-corte do novo reino da telinha. Nesse projeto, seus talentos pessoais não interessavam. – Ao contrário.  A idéia era reafirmar a todo tempo a figura do homossexual como sinônimo de histérico, histriônico, “língua ferina”, fútil, ególatra, arrogante…

– Quer saber um pouquinho mais também sobre Clóvis Bornay? Veja aqui: Orgulho de ser Clóvis, Bornay, gay.

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