Busquei o nome de Darcy Penteado pela internet. Achei alguns poucos links contendo biografia e, mesmo assim, neles apenas a parte artística de sua trajetória é valorizada em detalhes.
Sobre o aspecto de sua trajetória que o distingue como um dos precursores da luta pelo reconhecimento dos direitos não apenas dos homossexuais, mas, também das travestis (numa época em que, no interior do próprio movimento de gays e lésbicas era frequente a reprodução da estigmatização, de discursos e práticas desqualificatórias contra as travestis), a grande maioria condensa todo o seu ativismo – quando o refere – apenas em uma linha, uma linha e meia. Nenhuma informação mais detalhada foi localizada, assim como localizar alguma foto sua foi uma verdadeira garimpagem de horas através dos links apresentados na ferramenta de busca.
As referências concentram-se no seu lado artístico. Artista plástico, bem entendido. Sim, porque o seu lado de escritor também pouco ou quase nada é registrado nesses esboços da sua biografia.
Uma exceção alvissareira foi localizada no sítio denominado Pitoresco. Ali podemos encontrar trecho de um seu depoimento, segundo informa, concedido em 1983 (não revela a fonte, porém. A informação divulgada é que o sítio Pitoresco extraiu essas informações do
CD-Rom «500 Anos de Pintura Brasileira»): «Nesse mesmo ano [1976] publiquei meu primeiro livro de contos, A meta, e iniciei ativismo na luta contra a discriminação aos homossexuais*. Vieram depois três outros livros e várias peças teatrais (uma representada em 1978).»Encontrei uma praça no centro de São Paulo com o seu nome – esta encontrei pessoalmente, por acaso, cruzando-a, desorientada, quando lá estive, anos atrás. Na placa indicativa do nome do logradouro, referência apenas ao seu lado artístico.
Também encontrei um Museu, um salão de exposições e uma Vila com o seu nome, estes todos na sua cidade natal – São Roque. Em Rondônia, no município de Alta Floresta D’Oeste, localizei o registro de uma escola com o seu nome. Também a referência a uma Mostra de Arte em São Paulo com o seu nome, já na Segunda Edição.
A Primeira Mostra de Arte Darcy Penteado teria ocorrido em 18/06/2003, por ocasião da VII Parada GLBT do Brasil.
Por falar em sua cidade de origem, na página oficial da municipalidade, após noticiar a criação do Museu, segue-se um tópico intitulado “Conheça um pouco sobre a vida de Darcy Penteado”, que, em dez (10) linhas, resume toda a sua trajetória, deixando de fora sua participação como um dos precursores da luta pelo reconhecimento dos direitos da população de gays, lésbicas, travestis, transexuais.
Também não é feita referência sobre a sua produção literária – será porque ela também aborda o homoerotismo, a homoafetividade?O paradoxal é que essa mesma cidade que resolveu homenagear o seu filho ilustre, reconhece-lhe a importância e a singularidade apenas enquanto artista. O fato de ser ele gay e o seu engajamento público na luta pelo reconhecimento de gays, lésbicas e travestis como portadores de direitos, do mesmo modo que os heterossexuais, foram postos na sombra, omitidos. Ou seja, o reconhecimento não é verdadeiro, pleno, total.
Isso fica bastante claro quando se toma conhecimento de que embora São Roque tenha dado o nome de Darcy Penteado a uma sala de exposição, um museu e uma vila de relevância econômica, seus vereadores simplesmente rejeitaram a proposta de criação do Dia Municipal da Diversidade, que tem por objetivo a visibilização da luta em prol da isonomia jurídica do segmento alvo de processos de estigmatização e violência em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero – luta que, se vivo fosse, seria completamente abraçada por Darcy.
Como se não bastasse a rejeição do projeto de lei, a iniciativa foi recebida, em uma das comunidades no Orkut que leva o nome da cidade, sob forte repúdio, baseado em argumentos os mais disparatados e equivocados.
Outra comunidade, esta com o nome do próprio ativista, foi criada em 24 de agosto de 2007 e conta com 21 membros. O único tópico existente tem o sugestivo título de RECONHECIMENTO, abrindo com a pergunta:
Será que ninguém conhece ou se interessa pelo trabalho de Darcy Penteado? ????? A postagem que vem em sequência fala de uma proposta de levar ao cinema o seu livro “Nivaldo e Jerônimo”, idéia acalentada pelo associado, segundo informa, desde 1984.Em seu texto de apresentação, a primeira linha da Comunidade Darcy Penteado ressalta sua qualidade de militante dos direitos humanos dos Gays, Lésbicas e Travestis – as identidades discutidas na época:
Pintor, cenógrafo e escritor paulista nascido em São Roque, célebre por sua luta pelos direitos homossexuais no Brasil. Alcançou grande sucesso como gravador e pintor, onde se baseava em paisagens bucólicas e românticas figuras femininas. De reconhecida qualidade técnica e artística, sua obra conquistou prêmios importantes, como o de cartaz da primeira Bienal realizada em São Paulo, em 1951. De 1962 a 1967, viveu entre Roma e Paris, tendo retratado, sob encomenda, personalidades como Audrey Hepburn, Silvana Mangano e Françoise Sagan.
No teatro, como cenógrafo, ganhou, em 1957, todas as premiações do ano com a peça Pedreira das Almas. Nos últimos dois anos de vida, retirou-se para uma mansão no alto da Serra da Cantareira, São Paulo, e continuou suas pinturas, inclusive uma dama de negro, com grande chapéu, que ele próprio comparou à presença da
morte. Por anos a fio carregou sozinho a bandeira do homossexualismo no Brasil.
Darcy Penteado faleceu aos 61 anos, em 5 de dezembro de 1987.
Embora através dessas pesquisas realizadas na internet, tenha ficado claro que ele foi reconhecido apenas por seus contemporâneos, pois sua memória de ativista precurssor de relevo não vem sendo divulgada às gerações que lhe sucederam, sem dúvida é um bonito gesto, essa comunidade e a forma da apresentação de seu homenageado.
Ainda no Orkut, na comunidade sobre Literatura Homoerótica, encontro o tópico Uma síntese do homoerotismo na literatura brasileira, de onde extraio o seguinte trecho, de autoria de Leonardo:
Entre 1978 e 1981, o Lampião da Esquina, um jornal porta-voz gay, projetou Aguinaldo Silva, Darcy Penteado e João Silvério Trevisan, este autor de “Devassos no Paraíso” (1986), a história da homossexualidade brasileira dos tempos coloniais até ao fim do milênio passado. Na introdução desse estudo fecundo que já nasceu clássico, Trevisan fala do homossexual como de alguém que instaura uma dúvida, “algo que afirma uma incerteza, que abre espaço para a diferença e que se constitui em signo de contradição frente aos padrões da normalidade”. Aguinaldo Silva publicou em 1975, “Primeira Carta aos Andróginos”, um relato cru dos engates num cinema carioca. Darcy Penteado é autor de “A Meta”, 1976, coletânea de contos autobiográficos.
Sobre esse aspecto de sua vida é a Wikipédia que, mesmo de forma breve, nos informa algo de sua importância no que diz respeito ao início da constituição dos homossexuais enquanto sujeito de direitos em nosso país:
Participou ativamente, durante os anos de repressão da ditadura militar, do jornal O Lampião, ativo na defesa dos direitos dos homossexuais.
Conforme o registro ainda da Wikipédia, Darcy Penteado nasceu em 1926, no município de São Roque. Uma estância turística distante cerca de 6o kms da cidade de São Paulo e aproximadamente 40 kms da cidade de Sorocaba. Faleceu em São Paulo, aos 61 anos de idade, em dezembro de 1987, em decorrência da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida Sida/Aides). Já na segunda linha, o texto dessa enciclopédia virtual de elaboração pública e aberta, deixa bastante claro que Darcy foi, ademais de “desenhista, cenógrafo e autor teatral, um pioneiro militante dos movimentos GLS brasileiro” (sic).
Eu o vi apenas uma vez na vida, aqui no Rio de Janeiro, por ocasião do lançamento conjunto de seu livro Teoremambo (delito delirante para coro e orquestra) e do No País das Sombras, de Aguinaldo Silva, em 30/081979. . Não posso dizer que o conheci. Seria falso. Do (pouco) que sei dele é apenas a sua participação nas páginas do Lampião da Esquina, o jornal que, juntamente com o Grupo Somos/SP, são os eventos fundadores do Movimento Homossexual Brasileiro.
Na contracapa do livro que gentilmente me autografou, consta o registro de que (dentre outras críticas e opiniões positivas, proferidas sobre os seus dois livros anteriores – A Meta e Crescilda e os Espartanos:
“…como homossexual consciente da sua situação… Darcy Penteado ilumina detalhes do ‘gueto’ a que a maioria gostaria que o homossexual fosse circunscrito… Tudo isso significa que desponta um novo escritor, um novo ‘talento promissor’ no Brasil? Mais do que isso: significa, a meu ver, que há pessoas e comportamento suficiente ético no Brasil para dizerem a verdade” – LEO GILSON RIBEIRO.
“Poucos escritores se plasmam tão dentro de uma sociedade, seus valores, suas paisagens, suas ocorrências, todo o circunstancial de uma época e de um determinado grupo quanto Darcy Penteado” – HELENA SILVEIRA.
“Não sei até onde a temática [homossexual] afastará ou trará leitores para seus contos. Creio que o problema é secundário. O importante é a qualidade de sua ficção e a linguagem sensível, sempre justa” – JORGE AMADO.
Este livro (Teoremambo) traz, na última página, uma biografia de Darcy:
“Autodidata… Iniciou-se artisticamente na publicidade em 1944, ilustrou livros a partir de 1945, cenografia e trajes teatrais de 1947 em diante, cenografia para tevê de 1955 a 1960. … Como contista, publicou … Participará, ainda em 79, de duas antologias norte-americanas das editoras ‘Voices of ays Liberation’ e “Gays Sunshine Press. Obtevemenção honrosa no II Concurso de Contos Eróticos da Revista ‘Status’, 1977, e é um dos editores do jornal ‘Lampião’.
‘Expõe artes plásticas desde 1949, tendo participado de diversas Bienais de S. Paulo, Panorama de Arte Atual Brasileira (Museu de Arte Moderna de S. Paulo), bienal de Paris, Salão Bósio de Monte Carlo, etc. Realizou inúmeras mostras individuais no Brasil e no exterior. Viveu sete anos na Europa (Roma e Paris), expondo e retratando personalidades das artes e do cinema. Quadros seus fazem parte dos acervos do The Fogg Ar Museum, USA; The Chase Manhattan Bank, N.Y.; Imbasciata del Brasile, Roma; Museu de Arte e de Arte Moderna de S. Paulo e Rio de Janeiro; Museu da Fundação Armando Álvares Penteado, Institut fur Auslandsbeziehungen e Ibero-Amerika Institut, ambos da Alemanha, além de coleções particulares nos Estados Unidos,
Canadá, Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Suécia, Itália, Suíça, Bélgica, Israel, México e Argentina.
“Principais prêmios: cartaz para a I Bienal de S. Paulo; ‘Associação Paulista de Críticos Teatrais’, “Saci”, Governador do Estado’ e Bienal de Teatro’, todos por cenografia e trajes teatrais; ‘Disco de Ouro e ‘Jaboti (melhor capa de ‘long-play’ e melhor ilustrador, respectivamente); Prêmio ‘Caxego 1977, do Banco do Estado de Goiás.” (sic)
O que mais me marcou em sua trajetória no Lampião da Esquina foi a sua posição incisiva em defesa das travestis.
É sobre esse seu aspecto que desejo falar.
A hora já vai tarde, porém. Vou interromper por aqui, deixando em você o gostinho de curiosidade (tomara!).
– Por acaso você não o conheceu? Partilhou de seu convívio, ou esteve próximo a ele em algum evento? Conhece a sua produção artística? Sabe onde se encontra a sua produção cenográfica? Desfrutou de sua leitura? Foi tocado (e transformado) com os seus textos no Lampião?
Se a resposta for sim para qualquer destas perguntas, não gostaria de registrar aqui essa sua experiência?
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* Essa revelação, juntamente com a de Trevisan, no Devassos do Paraíso, de que também em 1976 , na cidade de São Paulo, “formou um núcleo de discussão sobre homossexualismo”, o que nos leva a problematizar os dois eventos fundadores do movimento homossexual brasileiro estabelecidos na literatura. Aspecto que, em conseguindo levar avante o meu de doutoramento, examinarei, esperando poder contar com as memórias de seus contemporâneos.