Presença lésbica em Belo Horizonte – anos 1970-1980

Nas duas décadas iniciais deste século, ações de resgate e valorização da memória LGBTI+ no Brasil se intensificaram enquanto uma forte demonstração de vitalidade, de sedimentação das identidades, de fortalecimento da autoestima e de luta por direitos. Se antes esse processo esteve muito fixado na região Sudeste do país, nesse último período vemos uma pulverização fundamental de pesquisas dessa natureza em outras regiões do nosso território, viabilizando principalmente uma perspectiva de simultaneidade (e até mesmo de precedência) de iniciativas com relação a uma visão hegemônica centrada a partir de 1978. Se ainda antes esse processo esteve muito atrelado à história dos homens homossexuais, agora vemos também a recuperação da história de outras identidades, dando lastro e visibilidade à existência de lésbicas, pessoas trans, pessoas intersexo na história sociocultural de nosso país.

No tocante a Belo Horizonte, o resgate da história das formas de sociabilidade de lésbicas ainda está no seu começo. E nele se destacam três mulheres que atuaram de forma constante na consolidação de uma sociabilidade lésbica na capital mineira, a quem homenageamos. Norma Suely Teixeira, Many França e Maria da Conceição Vieira (a Mariinha) atuaram na noite belo-horizontina mantendo casas noturnas (bares e boates) que ficaram na memória e na saudade de um público feminino fiel.

Primeira página do Jornal Rainbow (set. 2003) com manchete sobre as lésbicas precursoras de Belo Horizonte.

E aqui os entrelaçamentos começam: no início dos anos 70, Many (que nasceu em 1937) teve um bar chamado Toca. Embora com um público misto, já havia uma presença marcante de mulheres. Depois, ela foi chamada por Norma para ser gerente do Cosa Nostra. No entanto, um desentendimento de trabalho afastou-as.

Em agosto de 1975, Norma vai estourar com a inauguração da boate Chez Eux em seu retorno à Savassi, desta vez na rua Alagoas. Chez Eux marcou época não apenas por ter sido a de maior porte até aquele momento (o que logo seria superado por outras concorrentes), mas por se identificar como um local de frequência majoritariamente de lésbicas e por ter uma agenda de pequenos shows com figuras marcantes da comunidade LGBTI+ da cidade. A casa perdurou até 1982.

Página 7 do Jornal Rainbow (set. 2003) com reportagem sobre as lésbicas precursoras de Belo Horizonte.

Norma Suely abriu sua primeira casa – Refúgio da Seresta – em 1970, no primeiro nicho LGBTI+ que se constituiu na Savassi, região que sofria intensa especulação imobiliária naquele momento. O bar localizava-se no cruzamento da rua Pernambuco com rua Inconfidentes. Era um espaço pequeno onde Norma praticava uma de suas vocações: a música. Em determinado horário, ela cantava e prendia a atenção das frequentadoras. O Refúgio durou pouco mais de dois anos. Na sequência, em 1974, Norma abriu uma boate no centro da cidade, na avenida Amazonas, no térreo de um edifício residencial. A casa durou pouco tempo devido à intolerância dos moradores. Daí ela se transferiu, em 1975, para o bairro Calafate, com um misto de bar e boate chamado Cosa Nostra, na rua Campos Sales. Pouco se sabe dessa terceira experiência, que durou pouco tempo também.

Página 6 do Jornal Rainbow (set. 2003) com reportagem sobre as lésbicas precursoras de Belo Horizonte.

Enquanto isso, Many abriu o bar Marrom Glacê em 1980, em uma região residencial de área de classe média alta na cidade. Não deu outra: o local foi alvo de preconceito e de ação orquestrada de vizinhos que se diziam incomodados pelo barulho e por desordens promovidas pelas frequentadoras. A curta vida do bar foi encerrada e no ano seguinte Many abriu a boate Plumas e Paetês. A casa durou pouco mais de dez anos em três endereços diferentes: entre 1981 e 1984, na avenida Bernardo Monteiro (aqui, o estabelecimento dava fundos para o famigerado DOPS); entre 1985 e 1989, na avenida Brasil (funcionando inicialmente no porão da boate Sukata; após o encerramento das atividades desta casa, Many ocupou todo o espaço); de 1989 a 1992, na avenida Augusto de Lima (um espaço amplo, para mais de mil pessoas, com mezanino e palco para shows).

Many França em 1981, na boate Plumas e Paetês.

Já é hora de introduzir Mariinha. Aos 14 anos, ela conheceu e frequentou o Refúgio da Seresta; quando Many estava gerente do Cosa Nostra, Mariinha era sua namorada, relação que se estendeu aos inícios dos anos 1980; após o término do namoro, Mariinha “fundou” a conhecidíssima Rua da Lama. Imaginem um quarteirão arborizado e pouco movimentado, com cinco pequenos bares lado a lado. Assim era o quarteirão da Rua Sergipe, ao lado da praça da Liberdade e atrás da Secretaria de Segurança Pública. Por volta de 1983/84, Mariinha abriu o Em Cima da Hora, cujo nome nunca pegou e que todes chamavam de Bar da Mariinha. “Eu batizei a rua de Rua da Lama, porque tive um problema de saúde e o médico me proibiu de frequentar a boemia. Não adiantou nada. Saia do hospital e ia para a noite, para a ‘lama’. Daí o nome pegou.” Mariinha permaneceu aí com seu bar durante oito anos, tendo em seguida se transferido para o bairro Carlos Prates, na rua Areado, no começo dos anos 1990.

Página 8 do Jornal Rainbow (set. 2003) com reportagem sobre as lésbicas precursoras de Belo Horizonte.

Após fechar a Chez Eux em 1982, Norma também abriu um bar na rua Sergipe, por volta de 1985. Nessa segunda metade da década de 80, era muito comum o roteiro bares da Rua da Lama e boate Plumas e Paetês, que ficavam muito próximos, na vivência de sociabilidade das lésbicas.

Bolo de comemoração de 10 anos da boate Plumas e Paetês; ‘homenagem funcionários PP’ com a legenda: Placa presenteada a Many França em homenagem aos dez anos da boate Plumas e Paetês.

Esse período de vinte anos foi importante para a sociabilidade e visibilidade lésbica em Belo Horizonte: Norma, Many e Mariinha encamparam uma liderança na noite LGBTI+ da cidade ao promoverem festas, shows, gincanas, dia exclusivo para presença das lésbicas em suas casas, entretenimento e muita diversão. A história LGBTI+ da cidade deve muito a essas três mulheres! 

Texto, pesquisa e acervo: Luiz Morando.

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