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Babados da hora

“FAZEI ISSO EM MEMÓRIA DELAS” – DELAS E DELES, DE TODOS

Em 26 de janeiro passado publiquei aqui uma postagem com o título A Questão Central da Memória.

Transcrevia trecho do editorial da revista Carta Capital, escrito por Mino Carta, edição de 20 de janeiro deste ano de 2010 onde defendia o direito à memória histórica do período ainda nebuloso e sempre escondido, da ditadura militar implantada em 1964.

Ao final da transcrição, recordava que a memória histórica é prioritária para todos os segmentos sociais, inclusive o composto por homossexuais, transexuais, travestis, intersexuais.

Também pode ser lido aqui, em postagem do dia 21 de março corrente, uma pequena biografia de Herbert Daniel, importante combatente pela solidariedade como resposta social ao obscurantismo e contra o preconceito (fosse aquele que vitimava – e ainda vitima – portadores do vírus HIV, fosse o que também ainda hoje atinge gays, lésbicas, travestis, transexuais, intersexuais). Ele foi um dos que lutaram contra o regime de exceção instaurado aqui pelos militares, com o apoio de parte da sociedade civil, financiado e treinado pelos Estados Unidos.

Herbert viveu cerca de seis anos como clandestino em seu próprio país. Depois, passou aproximadamente sete anos no exílio. Embora sejam experiências dolorosas, não se comparam às torturas – psicológicas e, sobretudo, físicas – que viraram política de Estado.

À parte a experiência de Daniel, desconheço outra qualquer pessoa homoerótica que tenha lutado contra a Ditadura. Não creio, porém, que seja ele o único caso.

Dos homossexuais perseguidos, torturados, assassinados nos campos de concentração nazistas tem sido possível recuperar parte da história. Dos que enfrentaram o regime ditatorial brasileiro de 64, não. Nada sabemos.

Quantas seriam essas pessoas? Quantas mulheres? É Fácil imaginar a razão para que não revelem a delicada questão da orientação sexual. – Daniel tornou-se assexuado, vez que o grupo político que integrava via a homossexualidade como “produto da decadência burguesa”. Não foi anistiado e teve a leitura de sua carta, enviada de Paris, suprimida pelos camaradas no Congresso pela Anistia, porque era “apenas uma bicha”.

Nada sabemos do sofrimento das lésbicas que igualmente devem ter participado da resistência (equivocada, fracassada, mas resistência). Podemos imaginar a amplitude se seus suplícios, caso seus torturadores tenham descoberto a sua orientação sexual, em razão daquilo que sabemos terem as mulheres sofrido – estas aliás, sempre que há disputas entre nações, tribos, facções, regimes ideológicos, são alvejadas em sua sexualidade, em seu corpo erótico e reprodutivo. Terão tombado, junto a tantas que perderam suas vidas?

“Elas [as mulheres] estiveram em todas as frentes da resistência. Foram muitas as que optaram pela luta armada e, sem que se julgue aqui o mérito de suas escolhas ideológicas e políticas, empunharam armas e foram literalmente à luta. Outras muitas, ainda que sem armas, colocaram em risco suas vidas e as de seus filhos e maridos ao estabelecerem também as suas estratégias de luta. Outras tantas já não estão entre nós para contar suas histórias. Ousadas demais, foram silenciadas.” (Trecho do livro Luta, Substantivo Feminino, pág. 16. Destaques de minha autoria).

É, portanto, para registrar essa lacuna, esse vazio na história recente de nosso país que ainda persiste malcontada, suprimida, escondida, desvirtuada, que transcrevo trecho da postagem do sítio Taqui Pra Ti, de autoria de José Ribamar Bessa Freire, professor da UERJ e UNI-RIO, que trata do livro recém lançado na PUC-SP – LUTA, SUBSTANTIVO FEMININO -, contendo diversos relatos de tortura sofrida por presas do regime militar:

São muitos os depoimentos, que nos deixam envergonhados, indignados, estarrecidos, duvidando da natureza humana, especialmente porque sabemos que não foi uma aberração, um desvio de conduta de alguns indivíduos criminosos, mas uma política de Estado, que estimulou a tortura, a ponto de garantir a não punição a seus autores, com a concordância e a conivência de muita gente boa “em nome da conciliação nacional”.

No lançamento do livro na PUC, a enfermeira Áurea Moretti, torturada em 1969, pediu a palavra para dizer que a anistia foi inócua, porque ela cumpriu pena de mais de quatro anos de cadeia, mas seus torturadores nem sequer foram processados pelos crimes que cometeram: “Uma vez eu vi um deles na rua, estava de óculos escuros e olhava o mundo por cima. Eu estava com minha filha e tremi”.

Os fantasmas que ainda assombram nossa história recente precisam ser exorcizados, como uma garantia de que nunca mais possam ser ressuscitados – escreve a ministra Nilcea Freire, ex-reitora da UERJ, na apresentação do livro, que para ela significa o “reconhecimento do papel feminino fundamental nas lutas de resistência à ditadura”.

Este é o terceiro livro da série ‘Direito à Memória e à Verdade’, editado pela Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. O primeiro tratou de 40 afrodescendentes que morreram na luta contra o regime militar. O segundo contou a “História dos meninos e meninas marcados pela ditadura”. Eles podem ser baixados no site da SEDH.

O golpe militar de 1964 que envelhece, mas não morre, completa 46 anos nos próximos dias. Essa é uma ocasião oportuna para lançar o livro em todas as capitais brasileiras. No Amazonas, as duas reitoras – Marilene Correa da UEA e Márcia Perales da UFAM – podiam muito bem organizar o evento em Manaus e convidar a sua colega Nilcea Freire para abri-lo. Afinal, preservar a memória é um dos deveres da universidade. As novas gerações precisam saber o que aconteceu.

A lembrança de crimes tão monstruosos contra a maternidade, contra a mulher, contra a dignidade feminina, contra a vida, é dolorosa também para quem escreve e para quem lê. É como o sacrifício da missa para quem nele crê. A gente tem de lembrar diariamente para não ser condenado a repeti-lo: fazei isso em memória delas. José Ribamar Bessa Freire(destaques de minha autoria)

Você pode baixar o livro comp
leto através do sítio da SEDH. Também pode adquirir ou alugar o DVD QUE BOM TE VER VIVA, de Lúcia Murat, produzido pela Taiga filmes. Ou mesmo ARAGUAIA: A CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO, de Ronaldo Duque, distribuído pela Paris Filmes.

Assista, leia, divulgue, empreste, utilize como material pedagógico em aulas e oficinas.

Apenas preservando nossas memórias, repassando-as às novas gerações, teremos alguma garantia de que os mesmos erros não se repetirão. Por elas, por eles, por nós, pelos que virão.

Créditos:
As fontes referidas encontram-se lincadas.
Agradeço a Luiz Antonio de Oliveira o haver socializado a íntegra do artigo de José Ribamar Bessa Freire, bem como a sua fonte, na listagls.

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