Homenagem aos 80 anos da Lenda Suzy Parker
Por Paulo Vitor Guedes de Souza (COC/Fiocruz) *
Em 15 de janeiro de 1945, nascia Suzy Parker, uma das figuras mais icônicas da primeira geração de travestis do Rio de Janeiro. Com 80 anos de idade e 60 anos de carreira ininterruptos, Suzy continua sendo um símbolo de talento, resistência e afeto, construindo pontes entre gerações de artistas e deixando um legado cultural profundo e imensurável.
Na década de 1960, Suzy se destacou nos palcos de teatros como o Carlos Gomes e Miguel Lemos, além das boates emblemáticas como Dom Jardel, Erótica e Tabaris. Sua presença foi uma constante na vida cultural do Rio de Janeiro. No decorrer de sua trajetória, consolidou sua carreira e formou laços de amizade com artistas como Akiko, Yeda Brown, Ira Velasquez, Thelma Moreira, Daloá, Coccinelle, Aloma Divina, Rogéria, Claudia Celeste, entre muitas outras. Sempre com o desejo de compartilhar seu sucesso com suas amigas, Suzy se tornou uma referência de união e apoio mútuo no cenário artístico.
Em 1967, Suzy foi convidada a integrar a renomada companhia Les Girls, responsável pelo maior e mais sofisticado espetáculo de travestis da época. Com produção impecável, figurinos luxuosos e performances deslumbrantes, o espetáculo se consolidou como uma referência histórica no transformismo no Brasil e na América Latina. O grupo não se limitou ao Rio de Janeiro; levou sua arte a diversas capitais brasileiras e a países sul-americanos, incluindo no Uruguai e na Argentina, onde o espetáculo foi amplamente celebrado. A passagem de Les Girls pela Argentina, em particular, solidificou a companhia como um marco na história do entretenimento travesti e da visibilidade da comunidade LGBTQIA+. Apesar da repressão e do preconceito da época, a atuação de Les Girls no exterior simbolizava a luta por visibilidade e resistência para essa comunidade, mostrando a força da arte como ferramenta de transformação.
Nos anos 1980, Suzy levou sua arte para a Europa, onde se apresentou no prestigiado Carrousel de Paris e, mais tarde, se fixou em Barcelona, na Espanha. Durante sua estadia europeia, ela criou o Troféu Divas e Divinas, uma premiação que homenageava artistas e personalidades da comunidade LGBTQIA+, reconhecendo suas contribuições à arte e ao ativismo. Em 2004, ao retornar ao Brasil, Suzy trouxe essa iniciativa e replicou o troféu em um tradicional evento realizado na Turma OK, ampliando sua missão de celebrar a diversidade e a arte da comunidade.
Suzy foi também uma das pioneiras no uso de hormônios femininos, uma tecnologia que transformou esteticamente o corpo e o visual de muitas travestis daquela geração. Ao iniciar a ingestão de hormônios femininos em um período de grande repressão e marginalização, Suzy não apenas desafiou as normas de gênero vigentes, mas também se tornou uma das primeiras a viver essa transformação com coragem e ousadia. Esse gesto simbólico, de buscar não apenas a feminilidade estética, mas vivência e expressão subjetiva, é um marco importante não só na sua carreira, mas também na história da comunidade trans e travesti. Suzy, como muitas de suas contemporâneas, ajudou a redefinir a relação entre corpo, gênero e identidade, influenciando gerações subsequentes de mulheres trans que também buscavam utilizar a tecnologia hormonal para afirmar suas identidades.
Além de seu sucesso nos palcos, Suzy sempre foi uma figura agregadora, unindo talentos e promovendo a amizade e o apoio entre as artistas com quem compartilhou sua trajetória. Esse espírito de união persiste até hoje, com apresentações do elenco de veteranas em teatros e casas de espetáculo no Rio de Janeiro, mantendo vivo o legado de uma era dourada da cultura LGBTQIA+.
O legado de Suzy Parker vai além de uma carreira brilhante. Ela é símbolo de resistência cultural, mostrando como a arte pode ser uma poderosa ferramenta de transformação social. Sua trajetória de 60 anos de carreira é marcada pela dedicação ao coletivo, pela luta por visibilidade e pelo constante empenho em promover a liberdade e a inclusão. Suzy foi não apenas uma artista, foi também uma grande amiga e inspiração para as gerações que a sucederam, deixando um impacto profundo na história da arte e da cultura LGBTQIA+.
Aos 80 anos, Suzy Parker continua sendo uma referência para o mundo das artes, celebrando a diversidade e a liberdade. Sua trajetória é a prova de que a arte não apenas reflete sua época, mas também tem o poder de moldar e conectar histórias, culturas e afetos, atravessando gerações com sua força entusiasmada e vibrante.
Suzy Parker: ícone artístico LGBTQIA+
Hoje, ao celebrarmos seus 80 anos, é impossível não reconhecer o impacto que Suzy Parker tem na história da luta e da visibilidade das pessoas LGBTQIA+, especialmente das pessoas trans. Sua trajetória, que se iniciou em um contexto teatral e cultural em plena efervescência, é a história de uma mulher que não apenas desafiou normas sociais, mas também ajudou a construir espaços de acolhimento, resistência e empoderamento para as gerações que a seguiram. Suzy é a prova viva de que a arte, quando unida à coragem e ao compromisso com a liberdade, pode transformar realidades e desafiar o tempo. Ela não apenas foi uma pioneira em sua época, mas continua a ser uma fonte de inspiração e uma referência fundamental na construção de um futuro mais inclusivo e justo para todas as pessoas trans. Seu legado, construído com trabalho árduo, amizade e amor pela arte, é indestrutível e, sem dúvida, continuará a influenciar e a iluminar os caminhos das novas gerações de artistas, ativistas e sonhadoras.
*Paulo Vitor Guedes é historiador, doutorando em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz – Fiocruz, Mestre em História pela UFRRJ e Especialista em Direito Humanos, Gênero e Sexualidade também pela FIOCRUZ.
Referências bibliográficas:
LOPES, Fábio Henrique; SOUZA, Paulo Vitor Guedes de. Suzy Parker e Yeda Brown. Amizade, modos de existência e invenções de si. In: Gomes, Aguinaldo Rodrigues; LION, Antonio Ricardo Calori de (org.). Corpos em trânsito: existências, subjetividades e representatividades. Salvador: Editora Devires, 2020.
SOUZA, Paulo Vitor Guedes de. Glamour das Divas: uma reflexão sobre espaços de sociabilidade, redes de amizade e subjetividades travestis na cidade do Rio de Janeiro, década de 1960. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2022.
“Quem Trouxe a Moda do Travesti para o Brasil”?: teatros, hormônios e subjetividades (1950-1960). dObra[s] – revista da Associação Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, [S. l.], n. 41, p. 218–241, 2024.
Paris em Copacabana: boate Favela, travestilidades e históricas experiências no Rio de Janeiro (1960). Revista Anômalas, Catalão – GO, v.4, n.1, p.39-57, jan./jun. 2024.
Fotografias: Acervo Pessoal de Suzy Parker.
