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Babados da hora

LÁ COMO CÁ, O BAFÃO: A Reprodução das lógicas Desqualificatórias Como Armas de Ataque

Nesses tempos em que assistimos provocações de Maradona a Pelé, de Pelé a Maradona, e de Serra a Dilma, de Carta Capital e Observatório da Imprensa a Veja, de Veja ao PT, Lula, Dilma etc., vale a pena lembrar que na história dos movimentos LGBTs não se vê só heroísmos, generosidades, ética, dedicação.

Compostos antes de mais nada por seres humanos (demasiadamente humanos, nos diria Nietzsche), também entre os movimentos de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais se vê dinâmicas de reprodução dos mesmos mecanismos de desqualificação encontráveis na sociedade em geral.

Segmento social presente em todos os setores humanos, indivíduos construídos socialmente em torno dos mesmos códigos e valores da sociedade na qual vivem, sempre há aquelxs que não deixam de por em prática os mesmíssimos instrumentos de violência simbólica que tantas vezes lhes foram (e são) desferidos.

Assim, de forma semelhante aos libertários do Pasquim na desqualificação promovida às feministas durante a ditadura (Cf. Soihet), tanto é possível se ver feministas reproduzirem o discurso discriminatório branido pela heterossexualidade em geral e exibirem restrições às lésbicas, quanto estas apresentarem condutas de segregação em face dos homens – sejam heterossexuais ou gays.

Na mesma tradição, igualmente se verificam estranhamentos de parte de setores do movimento negro em face da homossexualidade e lesbianidade, como de parte de setores “lesbigay” em face das populações travestis e/ou transexuais.

De seu turno, há igualmente transexuais a produzirem discursos segregacionistas em face de travestis, como destas em face de outras que, diferentemente do pensamento igualmente normatizador, são capazes de amar tanto a lésbicas quanto a outras travestis.

Os LGBTs partidarizados também afrontam-se mutuamente, entre todas as gradações do espectro ideológico. Podemos encontrar acirrados ataques contra o PT, o Lula, a Dilma, na melhor tradição da grande mídia, como, de outro lado, também cusações virulentas contra Serra, FHC, PSDB, DEM, PSOL, PV… Nesse espectro multicromático não faltam nem mesmo aquelxs que defendem a “redentora”, por seus adeptos, e “caem em cima” contra o III PNDH, acusando-o de ditatorial, olvidadxs (?) de seu percurso histórico.

Se há quem parta em defesa do direito à Memória e à Verdade, em relação aos desaparecidos políticos do regime militar, surge quem a ele se manifeste contrário, empregando, em sustentação argumentativa, um caso de militar que ainda não teria recebido a sua indenização em face de atos praticados pelas esquerdas – numa fantástica mixórdia entre violência de estado e violência como arma de resistência.

Se há xs que promovam a defesa da função social da propriedade (inscrita na Constituição), não demora a surgir quem venha com acusações de que se busca a supressão do sagrado direito à mesma (sic), vendo, naquela, um ataque totalitário dos “comunistas”.

No mesmo curso, se é possível encontrar entre xs ativistas, aquelxs que promovam a defesa da construção de mecanismos democráticos de controle dos conteúdos dos veículos de comunicação (concessões de serviço público), luta empreendia já há mais de vinte anos por movimentos sociais, também se encontrará os seus antagonistas, que procedem sua leitura como instrumento de censura à liberdade de expressão.

(A liberdade de expressão, aliás, presta-se aos discursos mais reacionários, aí incluídos aqueles disseminados pelos evangélicos que estrategicamente acusavam o projeto de lei que criminaliza a homofobia de atentatório à liberdade de expressão, de modo sintomaticamente similar àquele praticado pelos segregacionistas estadunidenses (ku klux klan incluída), contrários à criminalização de manifestações racistas.)

Gays classe média, urbanos, intelectualizados ou não, não raro exibem críticas e censuras àqueles outros estranhos – os pobres e efeminados.

E os e as jovens, sejam ricas/os, remediadas/os ou pobres, em comum, podem ter, além da orientação sexual, a visão discriminatória e excludente em relação àquelas e àqueles mais velhos.

Lésbicas, embora se afirmando enquanto militantes feministas, não raro são capazes de reproduzir a linguagem do melhor estilo machista – frases recheadas de “peguei”, “comi”, “trepei”, “tô traçando”, fazem parte de seu vocabulário informal.

Mas não é senão na hora das agressões públicas que a força da cultura global se fará presente. Divergências de concepções políticas, sociais, ideológicas, formas de modos de ler o mundo, enfim, não raro enveredam para aspectos pessoais, passando a ser debatidas através do mesmo arsenal de representações comumente empregado pela sociedade ampliada. Nesses exercícios de pugilismo simbólico é possível encontrar até mesmo quem se afirme libertária, feminista, naturista ou mesmo adepta da New Age. E tomem-se xingamentos baseados na atividade sexual (ou ausência de) – porque “come” ou “não come”, “trepa” não “trepa”, “monta” não “monta”, na melhor reprodução do estilo “cabra macho”, esquecidas de que “trepar” e “comer” (sic) não é sinônimo de partilhar prazer, aconchego, afeto, muito menos atividade compulsória.

Defuntos são acusados, acossados, atacados, sem que possam vir puxar as pernas de seus detratores; mensagens deturpando expressões escritas são disparadas por territórios virtuais nos quais a/o acusado/a não frequenta e, via de consequência, não pode responder.

Como num rocambolesco enredo a la Cassandra Rios, pode-se ainda esbarrar com histórias de pessoas que não passam desta pra melhor sem antes deixar um rastrilho de acusações terríveis, que dizem de perseguições mórbidas, inclementes, fruto talvez de passionalidades obsessivas, que vão se disseminando por entre as redes e através dos anos, deixando suas vítimas para sempre enredadas pelo estigma da dúvida insuperável e sem chances, neste mundo, de realizar o contraditório, constituindo-se, assim, na vingança perfeita.

Como se não bastasse, tem-se as disputas das memórias dos ativismos. Disputam-se datas comemorativas, como disputam o primeiro evento coletivo, a primeira manifestação pública.

Disputam-se currículuns (curricula), anos de militância e número de cadáveres resgatados dos IMLs, como se houvesse algum um calderão de ouro no fim do arco íris.

Heroísmos são autoatribuídos, esquecidos da necessária e prévia psicoterapia, absolvitória dos destinatários não aderidos (Cf. Paglia).

No meio de semelhantes antagonismos há sempre quem se pergunte por onde e como tecer as malhas de alguma unidade possível, capaz de fazer frente aos religiosos intolerantes e homofóbicos de plantão, na busca pela consecução da efetiva isonomia sociojurídica.

– Eis aí uma pergunda ainda sem resposta. Para horror daquelxs que sonham com u’a massa crítica coesa, solidária e atuante e euforia daquelxs que (ainda) defendem que as homossexualidades não passam de uma degenerescência (burguesa ou ateísta).

Referências:

BECKER, Howard. S. Los Extraños. Sociología de la Desviación.

BIRMAN, Joel. Insuficientes, um Esforço a Mais Para Sermos Irmãos!

BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina.

Idem. O Poder Simbólico.

Idem. A Economia das Trocas Simbólicas.

Idem. A Distinção. A Crítica Social do Julgamento.

Idem. O Senso Prático.

ELIAS, Norbert & SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os Outsiders.

FATAL, Paulo. Invicta. Aids, Aqui: Toques, Becos e Saídas.

GÓIS, João Bosco Hora. Desencontros: as relações entre os estudos sobre a homossexualidade e os estudos de gênero no Brasi
l. In: Revista Estudos Feministas, vol. 11, nº 1, 2003, p. 289-297.

MacRae. Edward. A Construção da Igualdade: Identidade sexual e política no Brasil da abertura.

MARTINHO, Míriam. Memória LGBT. Personagens da Organização Lésbica. In:
http://www.umoutroolhar.com.br/memorialgbtpersonas.htm [modificado em 18 06 10 para http://www.umoutroolhar.com.br/simbolos&dias_memorialgbtpersonas.htm, com acréscimo de texto*]

MÍCCOLIS, Leila. Prazer Gênero de Primeira Necessidade. O Movimento Homossexual Brasileiro Organizado – Esse Quase Desconhecido.

MISSE, Michel. O Estigma do Passivo Sexual.

MOGROVEJO, Norma. Un Amor que se Atrevió a Decir su Nombre: La Lucha de las Lesbianas y su Relación con los Movimientos Homosexual y Feminista en América Latina.

MOTT, Luiz. O Lesbianismo no Brasil.

OLIVEIRA, Leandro. Jeito de bicha, Jeito de Homem: Gestos que Pesam entre Travestis, cross-dressers e seus Parceiros Sexuais no Subúrbio do Rio de Janeiro.

PAGLIA, Camile. Vampes & Vadias.

PAEZZO, Sylvan. Memórias de Madame Satã (Conforme Narração de).

PORTELLI, Alessandro. O Massacre de Civitela vai di Chiana. In: http://www.cholonautas.edu.pe/memoria/portelli1.pdf

RODRIGUES, Rita C. C. Da Reprodução do Desvalor e seus Antídotos. In: http// fazendogenero7.ufsc.br/artigos/R/Rita_Colaco_38_A.pdf

Idem. Das produções do desvalor – refletindo sobre algumas dinâmicas. Comunicação apresentada no XII Encontro Reginal de História Anpuh Rio. Niterói: UFF, 2006 e no VI Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual. Vitória: Plural/ASTRAES/UFES, 2006.

Idem. Jacarés, lobisomens, lagartixas, quebra-louças, extraterrestres, exus e colibiris: o novo e o mesmo, o “nós” e o “eles” – o desafio das homossexualidades entre o alargar e reconstituir fronteiras. Comunicação apresentada no III Congresso da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH). Belo Horizonte: Fafich/UFMG, 2006.

Idem. Poder, Gênero, Resistência, Proteção Social e Memória: Aspectos da socialização de “gays” e “lésbicas” em torno de um reservado em São João de Meriti, no início da década de 1980.

Idem. Dez Voltas ao Redor do Sol – a emergência do homossexual como sujeito político [Exame de Qualificação]. ESS/UFF, 2006, I.

Idem. Os Efeitos da Estigmatização e a Importância Estratégica de Incentivo à Formação de Grupos de Convivialidade como Geradores de Proteção Social e Valores Comunitários …

SANTAMARÍA, Enrique. Do Conhecimento de Próprios e Estranhos (Disquisições Sociológicas).

SOIHET, Rachel. Feminismo x Antifeminismo de Libertários: A Luta das Mulheres pela Cidadania Durante o Regime Autoritário.

TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso.

WONDER, Claudia. Em Busca de Formas Mais Harmoniosas.

(2066)

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* MEU (Rita Colaço) ADENDO EM 20 06 10, AO ACRÉSCIMO NO TEXTO DA UOO – Memória lgbt Personas – COM MINHA CITAÇÃO NOMINAL:

Em 19 06 10 postei um comentário ao acréscimo introduzido na página da militante, pesquisadora, editora de blogs Míriam Martinho (Memória lgbt Personas), citando-me nominalmente . Transcrevo abaixo esse comentário que postei lá:
Míriam,
à parte nossas últimas e bem azedas diferenças, agradeço que tenha se motivado a rever estas questões e feito esse acréscimo. Você havia me dito em e-mails que já lhe haviam interpelado sobre o tema dos dois últimos parágrafos da transcrição da entrevista (págs. 304-5 do livro da Mogrovejo). Tem razão, essa história segue rolando, apesar dos anos.
Porém, para quem não tenha lido o livro nem nossos e-mails todos e na íntegra, fica completamente trucada a leitura.
Como você sabe, o meu foco era preciso – os 2 últimos parágrafos da fala da Marisa, transcritos nas páginas 304 e 305 do livro da Mogrovejo.
Quanto aos aspectos éticos, idem, pois não se sabe qual seria a falta de ética cometida: – Todo o teor das entrevistas transcritas no livro? As afirmativas quanto a sua (dela, Marisa) participação em fases do MLF/MHB, que você contesta?
Tenho porém certeza de que você em momento algum pretendeu construir um texto que deliberadamente produzisse a equivocada compreensão dos fatos pelos seus leitores, tudo isso sendo apenas decorrência do não distanciamento do texto produzido.
É por ter essa absoluta convicção que apresento esses meus reparos, se me permite.
Primeiro é preciso destacar que os aspectos éticos a que eu me refiro dizem respeito a (sem ordem de importância): 1) promover a transcrição de uma fala de entrevistada que promove acusação, sem ter dado à pessoa acusada o direito de ser ouvida a respeito; 2) os conselhos éticos das universidades e as normas de pesquisa aconselham a que o trabalho com história oral não tragam prejuízos aos informantes e demais personagens históricos envolvidos; 3) a transcrição da fala da entrevistada da forma que foi publicada não guarda ligação com o texto da pesquisadora que lhe antecede. Me explico: Apenas o 1º parágrafo da transcrição traz informações de interesse histórico. Nesse sentido, a boa ética faria suprimir esses dois últimos parágrafos, por absoluta irrelevância histórica. 4) Você, como me afirmou, “eu não dei nenhum tipo de entrevista para essa mexicana pulha sobre os assuntos que ela aborda ali. A conversa que tive com ela tratava dos conflitos relativos à organização do encontro de lésbicas-feministas em São Paulo que não deu certo”, no entanto, segundo parece, ela pega a sua fala (transcrita na pág. 306), retira desse contexto e a insere no âmbito das relações gerais do movimento feminista com o movimento lésbico; e, 5) conforme seu e-mail de 04/04/09, “quando a tal Norma lançou sua tese, ativistas do México ficaram indignadas com ela porque disseram que a dita distorceu a história do movimento local e inclusive internacional, espinafrou a muitas (fui uma de suas vítimas, segundo consta, do lado internacional), reescrevendo a história a seu gosto particular e de suas amigas ou cúmplices.”
Em vista disso, sim, vejo que, caso fosse de seu interesse, caberia promover denúncia junto ao colegiado da universidade por onde a pesquisadora apresentou o seu trabalho e obteve o título.
No tocante à Marisa, talvez tenha me sido extraviado algum e-mail… O que eu encontrei, de 10/04/04, esse mesmo que você transcreveu (e que se inicia por “eu fiquei (e ainda estou) profundamente indignada. Me remoeu as vísceras, quando li algo de tamanha sordidez. Ainda mais agora, você me relatando que não deu nenhuma entrevista.
Imagino você, como não deve estar se sentindo.”), termina dizendo “Quanto à entrevistada, bem, você sabe o que pode fazer.”
Rita Colaço”

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