Hoje pela manhã no programa evangélico Reencontro, ligado à Igreja Batista de Niteroi e exibido pela TV Brasil todos os domingos, foi noticiada a realização do III Congresso da Associação Nacional de Magistrados Evangélicos. O II foi realizado em novembro do ano passado, em Piratininga, Niteroi, RJ.
Segundo declarou no programa o desembargador aposentado e hoje advogado criminal Eduardo Mayr, os magistrados que professam essa crença não se conhecem e sentem a necessidade de se organizar para tomar posição conjunta a respeito de certos temas, entre eles o do “casamento homoafetivo”.
Segundo Mayr, não chega a 10% o número de juizes que partilham desse credo. Organizando-se, podem se conhecer, discutir e tomar decisões em conjunto e “dar testemunho”.
Eduardo Mayr foi o juiz que, em 1982, durante as férias do titular, recebeu para sentença os autos do processo criminal em que figurava como réu Roosevelt Antônio Chrysóstomo de Oliveira, jornalista respeitado que ocupara postos de chefia em importantes veículos de comunicação no Rio e em São Paulo, crítico de artes, diretor de teatro, diretor do programa Seis e Meia da Funarte, editor do jornal Lampião da Esquina, acusado de haver molestado sexualmente a menina de três anos de idade em cuja posse se encontrava, por força de uma guarda provisória – fase inicial do processo de adoção.
Sua decisão pautou-se pela isenção e equilíbrio.
Chrysóstomo, em foto da AJ
Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça – João, 7:24
Encimada por uma epígrafe bíblica, o magistrado declara ser aquele “um momento doloroso para o julgador, nestes mais de oito anos de magistratura”, ciente de que está para ser julgada uma pessoa, uma vida, uma reputação, construída em longa trajetória profissional e pessoal.
[…] Pela consciência estamos mais próximos de Deus, e no exame da prova destes autos – prova privilegiada, destaque-se, pela própria natureza dos crimes imputados – sinto toda a angústia de julgar dentro de reais imperativos de justiça e equidade, pois não estou julgando papeis escritos, mas um homem e toda a sua circunstância.
Certo de que somente poderia julgar se ele próprio tivesse ouvido o acusado e as testemunhas, pois do contrário, “estaria traindo a [sua] consciência e vilipendiando-me em meus princípios”, opta por abster-se de prolatar a sentença, “por questão pragmática”, segundo afirma.
Como juiz substituto, não teria tempo para produzir as provas outra vez – procedimento “indispensável para a formação do meu convencimento”. Assim, devolve os autos a cartório apenas com o relatório do caso (parte técnica que precede a decisão propriamente dita), vez que o titular reassumiria “dentro de alguns dias” e “certamente terá melhores condições para apreciar este pedaço de vida vivida, este trecho da realidade humana que se espelha nestes autos. Que o possa fazer sem angústias, e com convicção.”
Espera-se, para o bem da república democrática brasileira ainda em consolidação, que esses magistrados, por sua associação, adotem posições com o mesmo equilíbrio, isenção e retidão republicana que adotou o juiz Eduardo Mayr em 1982, não misturando as esferas de ação. Que tomem uma posição, antes de tudo, jurídica. Isto é, apoiada nos precisos preceitos constitucionais e na decisão vinculante prolatada à unanimidade pela jurisdição constitucional do país, o Supremo Tribunal Federal. Afinal, a sociedade brasileira não pode ter a aplicabilidade do seu sistema jurídico à mercê de interpretações religiosas pessoais. O que rege as relações sociais em nossa sociedade é a Constituição da República, não a Bíblia – por mais que respeitemos a religião individual de cada cidadão.
O programa Reencontro foi idealizado pelo Pastor Nilson do Amaral Fanini e é transmitido desde 1975 pela televisão pública. Foi o produto final das negociações vitoriosas iniciadas em 1974 por Fanini com a Fundação Konrad Adenauer, da Alemanha, para doação de equipamentos à então Teve Educativa (Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa, FCBTVE), dirigida por Gilson Amado. Sua primeira estreia se deu em 14/07/1967, na Teve Continental, do Rio de Janeiro. Hoje é retransmitido por várias emissoras, inclusive do exterior. Atualmente é dirigido pelo pastor Flávio Vieira Lima, da mesma Igreja Batista Memorial em Niteroi que o seu fundador, Nilson Fanini.
Dentre as atividades que promoveu, são destacadas como as mais importantes:
1975 – É lançada a Campanha do Novo Testamento – O MAIS IMPORTANTE É O AMOR – de colocar 25 milhões de exemplares em cada lar brasileiro. É prefaciado pelo imortal Austrégesilo de Athayde, Presidente da Academia Brasileira de Letras.
Agosto de 1982 – O Reencontro realiza culto no Maracanã na grande cruzada DEUS SALVE A FAMÍLIA. Com mais de 150 mil pessoas presentes e pela primeira vez um Presidente da República comparece a um culto público evangélico (João Batista Figueiredo), além de 8 Ministros de Estado, Governadores e autoridades civis e eclesiásticas.
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Pr Fanini, Helga e Margareth Fanini, Dep Arolde de Oliveira e Pres. Figueiredo |
Esse presidente era o general João Figueiredo – o último dos ditadores do período que se seguiu ao golpe militar de 1964. Eles podem ser vistos aqui, em foto registrando o evento.
No programa há uma parte propriamente religiosa e uma outra, onde se realiza entrevista, a cada sábado com uma pessoa diferente, todas do meio evangélico. Essa parte com entrevista é conduzida pelo Desembargador Fábio Dutra, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Na ocasião, foi ele o entrevistador do desembargador aposentado Eduardo Mayr.
Curiosamente, a TV Brasil elenca tanto o programa Reencontro, como todos os demais programas religiosos de sua grade (Reencontro, Palavras de Vida e Santa Missa), na rubrica “cidadania” e não na “cultura”, como deveria, pois trata-se apenas de expressões culturais.
Aliás, esses programas, devido ao seu caráter catequético e privilegiado – por não contemplar todas as variações religiosas existentes no país e no Rio de Janeiro -, foram objeto de uma Resolução do Conselho Curador da Emissora Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela TV Brasil, que determinava a sua supressão. O Conselho Curador atendeu a manifestações do público presente nas Audiências Públicas realizadas pela EBC.
Os blocos evangélico e católico se uniram a pressionar o governo que se deixou acuar. A Presidenta Dilma determinou ao Senador do PT pelo Rio de Janeiro e ex-prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, que revertesse a situação – segundo palavras do mesmo -, pois essa decisão teria produzido muitos “estragos políticos ao seu governo”.
Assim, realizou-se uma reunião, em 29/09/2011, na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal, onde o representante do Conselho Curador da EBC foi duramente desrespeitado, com o Senador Lindbergh assumindo postura nitidamente intimidatória e ameaçadora. Veja aqui mais detalhes do caso.
A EBC segue debatendo o assunto. Veja aqui.
Atualizado em 07/07/2012, às 12h10 e às 12h53.