“Registro o desencarne do Padre José Vicente de Andrade, que terá seu corpo cremado, hoje [11/06/2010], às 17 horas, no Cemitério Renascer, em Belo Horizonte.
Padre casado e membro da Associação dos Padres Casados (instituição que luta pela integral inserção dos padres casados ao sacerdócio católico), José Vicente deixa um precioso legado de cultura, cidadania, profissionalismo e corajosas posições em defesa dos Direitos Humanos em Geral. Professor na UFMG, jornalista e publicitário, desde a juventude esteve presente às lutas civicas e humanas por um Brasil e mundo melhores, inspirado pela Mensagem Libertadora do Evangelho de Jesus – consubstanciado em “Amar ao próximo como a si mesmo” – conteúdo e vivência tantas vezes distantes das cúpulas ditas religiosas, factualidade igualmente tantas vezes comentadas e corajosamente denunciadas por ele, inclusive em recentes criticas ao atual papa.
Em 1972, ainda investido de todas as prerrogativas de sacerdote católico, José Vicente participou do I Simpósio Brasileiro de Estudos sobre Homossexualismo (à época a expressão homossexualidade não era usual), em Belo Horizonte, com veemente discurso contra o preconceito, ainda que previamente advertido pelo bispo local e vigiado pelo cerco da censura da ditadura militar, que chegou ao extremo de adulterar seu pronunciamento na imprensa local, ao lado de outros registros de conteúdos do evento.
Biógrafo de Padre Eustáquio, cuja obra consta do processo de beatificação deste vulto católico, José Vicente manteve-se sempre fiel aos ideais libertários, sem preocupar-se com as decorrências, fossem elas quais fossem. Um leal apóstolo da fraternidade humana.
Até recentemente, mantinha-me informado, via internet, de movimentações no seio da Igreja, em diversas partes do mundo, visando o combate à homofobia nesta instituição e em outros flancos.
Parte deste nosso mundo sem jamais ter sido lembrado ou o que seria efetivamente justo homenageado institucionalmente pelo Movimento Organizado LGBT no Brasil.
Mas, a História é a História e mesmo que temporalmente seja manipulada, falha ou infiel, como tantas vezes observado em tantas áreas e épocas, um dia é restabelecida em sua compleição de verdade e realidade.
A este lúcido e corajoso lutador dos Direitos Humanos, inclusos os Direitos Homossexuais, fica aqui registrado o meu profundo e prazeroso agradecimento.
Mais que nunca, tenho na memória seu sorriso irmão e amigo, seu abraço sem fronteiras e sem discriminações. Um abraço de padre católico a um irmão espírita e homossexual – testemunho de verdadeiro cristão, ao aceitar o convite para integrar o Primeiro Ato Público no Brasil Pela Cidadania Homossexual, em 1972, no Auditório do Colégio Estadual Central, em Belo Horizonte.
Edson Nunes
Pioneiro das Lutas Públicas Pela Cidadania Gay no Brasil
PS – Continuo usando a expressão Gay de forma generalizada para homens e mulheres.“