Ao final, confira a relação dos nomes daqueles que ajudaram a fazer o jornal Lampião da Esquina – Conselho Editorial, Colaboradores e Correspondentes.
“A conscientização e conseqüente reivindicação dos direitos da mulher está aos poucos, mesmo se lentamente, modificando a estrutura patriarcal que vigorou até agora e que sempre deu ao macho a preponderância no sistema social, coisa essa já muito sabbida e muito falada. Mas isto nos permite entre outras coisas, prever paara o futuro (sabe-se lá quando?), uma formação socio-familiar (ou algo que venha a corresponder a ela), dividida em duas facções: uma, que se poderá considerar como integrante de uma sociedade ideal, em que o ser humano, não importando o sexo civil mas a sua preferência sexual, enconntrará a sua forma de viver coletivamente, na ligação com o outro (ou outros), para juntos desfrutarem os prazeres dos próprios corpos, liberados dos interesses de procriação e da conseqüente manutenção da espécie. da mesma forma estarão colocados de lado os interesses econômicos que se aproveitam dos sentimentos e das atrações sexuais para impor a sua oficialização quase irreversível, como o casamento, que tem como conseqüência a priori, estabelecida, a prepotência do mais forte, e a obediência e dependência do mais fraco, que via de regra é a mulher. Já se pode prever também, nessa sociedade ideal, que a procriação será planejada, pelos que assim a desejarem e totalmente subvencionada e mantida pelo Estado, principal interessado nela.
Haverá porém, como sempre acontece, uma segunda facção composta de reacionários sexuais, dotados de mentalidade nostálgica e acadêmica: os herdeiros culturais da sociedade machista atual. A estes restarão bem poucas alternativas: primeiro porque o conceito de pecado, do sexo proibido que tanto tem sido incentivado pela cultura judaico-cristã, estará exaurido ou caduco; segundo porque a mulher-objeto (forma humana receptadora do falo e do esperma, aquela que tem sido apenas o veículo do prazer masculino; ou ainda a procriação por obrigação), será substituída pela mulher conscientizada do seu prazer do uso do próprio corpo.
Qual então o saldo que nessa sociedade futura irá satisfazer sexualmente o machão tradicionalista? Ora! não se mostrem cegos e ignorantes perante o óbvio: é claro que o travesti! Porque este (como foi citado no artigo anterior) não reivindica mais que isto: ser mulher-objeto. No caso, o fator econômico que faz atualmente do travestismo uma profissão sexual (conforme também já foi dito, quem não leu que procure o número anterior do Lampião, será de pouca importância porque, nos termos dessa tal sociedade ideal a prostituição, seja masculina ou feminina, não mais existirá pela sua razão econômica e sim, apenas, pela socilitação do ego de cada um, desde que a sua empestação psíquica exija esse tipo particular de sexualidade, que é a de submissão ao macho.
Portanto, nesse mundo futuro, felizmente despojado da nossa escala de valores morais (prepotente mas também servil, falsa, inepta, dependente, preconceituosa, penitente, recheada de complexos de culpa, etc., etc.), as pessoas curtirão em plenitude a própria sexualidade, fazendo dela a base para a sua individualidade e, consequentemente, a estrutura para a sua formação e atuação social e política. Porém… surgirá dentro dela (sociedade do futuro) um quadro bizarro: uma facção tradicionalista procurando ainda alimentar os valores machistas de antanho. Serão os saudosistas sexuais da mulher objeto e que, por força das circunstâncias, irão servir-se para tal fim… dos travestis.
Assim sendo, o travesti-prostituto que hoje é objeto de escárnio da sociedade tradicional, aquele que provvoca rubores entre os bem acomodados, que é saco de pancada de polícia, lavador de latrina de xadrez, a Geni em quem os bofes jogam bosta (depois de a comerem ou de terem sido comidos por ela), estarão para o futuro como um resquício da feminilidade falocrática quase desaparecida, mas ainda cultivada por um grupo de nostálgicos sexuais.
Entenda-se que a mentalidade da mulher-objeto poderá permanecer, mesmo numa sociedade conscientizada. Porém aparecerá como excessão, como uma das muitas formas de livre expressão que, espera-se, irão existir no mundo futuro – assim como aqueles homossexuais, também falocratas, que ainda acreditarão na função ativo-passivo. Idem, idem, continuará existindo uma conceituação sexual hoje confundida com a prostituição feminina, que a sociedade machista considera uma doença, denominando-a discriminatoriamente de furor uterino, e que na verdade é uma mera necessidade de exacerbação sexual, o que nos homens ganha a força de um atributo: garanhice.
A verdade é que, mesmo aos tropeções caminhamos (ou caminharemos para uma comunidade que por tentar ser a ideal, não escapa de parecer utópica. Mas vamos manter a esperança, pelo menos em pensamento, de que nela todos os direitoos serão igualmente cumpridos e respeitados: usaremos a nossa mente e o nosso corpo ao prazer da nossa própria responsabilidade e na mesma proporção em que respeitaremos a integridade allheia. Dessa Shangri-Lá poderemos exigir e obter tudo.
E obtido isto, ninguém vai segurá-los, podem crer! É fato conhecido através da história que as amantes dos reis, dos governantes, dos senhores do mundo, tiveram atuações políticas, muitas vezes, bastante mais importantes que as esposas legítimas. A conjuntura sexual sentimental que fez com que as Dianas de Poitiers, Pompadours ou Domitilas tivessem mais acesso ao poder que as esposas, não deve ser nenhum enigma para os travestis. Assim é que no futuro já falado (se desgraçadamente ainda forem necessários governos) em vez das tradicionais cocotas teremos travestis agindo nos bastidores do sistema. Mas isto será da alçada dos futuros senhores do mundo, não da minha. (Darcy Penteado)” – Destaques, grafia e pontuação do original.
Fonte: jornal Lampião da Esquina, nº 23, abril de 1980, pág. 3, ano 2.
Conselho Editorial – Adão Acosta, Aguinaldo Silva, Antônio Chrysóstomo, Clóvis Marques, Darcy Penteado, Francisco Bittencourt, Gasparino Damata, Jean Claude Bernadet, João Silvério Trevisan e Peter Fry.
Colaboradores – Agildo Guimarães, Frederico Jorge Dantas, Alceste Pinheiro, Paulo Sérgio Pestana, José Fernando Bastos, Rubem Confete, Henrique Neiva, Leila Míccolis, Luiz Carlos Lacerda, Mirna Grzich, João Carneiro, João Carlos Rodrigues e Aristóteles Rodrigues (Rio); José Pires Barroso Filho, Carlos Alberot Miranda (Niterói); Marisa, Edward MacRae (Campinas); Glauco Matoso, Celso Curi, Edélcio Mostaço, Paulo Augusto, Cynthia Sarti, Francisco Fukushima (São Paulo); Eduardo Dantas (Campo Grande); Amylton Almeida (Vitória); Zé Albuquerque (Recife); Luiz Mott (Salvador); Gilmar de Carvalho (Fortaleza); Alexandre Ribondi (Brasília); Políbio Alves (João Pessoa); Franklin Jorge (Natal); Paulo Hecker Filho (Porto Alegre); Wilson Bueno (Curitiba); Edvaldo Ribeiro de Oliveira (Jacareí).
Correspondentes – Fran Tornabene (San Francisco); Allen Young (Nova York); Armando de Fulviá (Barcelona); Ricardo e Hector (Madrid); Addy (Londres); Celestino (Paris), Anton Leicht e Nestor Perkal (Frankfurt).