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Babados da hora

Os Acervos Históricos e a Parca Cultura de sua Preservação

Já tive oportunidade de, daqui, chamar atenção para a destruição da memória histórica em nosso país. Seja institucionalmente, da parte do próprio Estado, seja, no caso do Movimento Homossexual Brasileiro, da parte de seus próprios ativistas.
Da memória da grande maioria dos primeiros grupos de militância surgidos no país não se tem notícia de seu acervo, não tendo seus participantes tido o cuidado de preservá-lo.
Dos grupos cujo acervo se tem notícia, muitos se encontram privatizados, tornados capital simbólico em proveito daqueles que lhes detem a guarda. Isso sem falar da negligência, da má conservação, que lenta mas inexoravelmente vai destruindo tudo. 
Desses que foram preservados, há ainda aqueles cujos detentores ao longo dos anos vez por outra vinham a público dizer de projetos de catalogação e digitalização em curso e que, até hoje, nada aconteceu. – Prova concreta que os factóides não foram obra de invenção do ex-prefeito César Maia, embora este deles tenha se utilizado politicamente como ninguém (só os projetos Morar no Centro e Revitalização da Praça Tiradentes e Adjacências, foram objeto de inúmeras e reiteradas matérias publicitárias travestidas de jornalísticas.  Nenhum dos dois avançou.)
Isso sem falar na campanha ostensiva de muitos dos militantes hoje hegemônicos em promover o apagamento do passado, das anteriores iniciativas, sobretudo quando se atuava fora da lógica atual.
O acervo de toda a imprensa gay existente antes do surgimento do Lampião da Esquina – os boletins as vezes mimeografados, as vezes manuscritos ou xerocopiados -, que, de tão intensa, ensejou a criação de uma Associação de Imprensa Gay, objeto de pesquisa realizada por Leila Míccolis, onde foi parar? O que teria Agildo Guimarães, o principal personagem dessa história, feito com todo o acervo que acumulou?
No Arquivo Edgar Leuenroth, da Unicamp, temos o material do Grupo Outra Coisa, do Grupo Gay da Bahia, alguns jornais e o material do Triângulo Rosa…
Mas, para onde foi todo acervo do Lampião da Esquina? Recordo que o Aguinaldo Silva chegou a declarar na imprensa haver doado o material para a Unicamp. Lá absolutamente não se encontra nada do Lampião. Isso inclusive desencadeou uma querela entre ele, Aguinaldo, e Luis Mott, em razão do pedido – não atendido – do Mott, para receber o acervo, que seria acautelado no GGB.
Por diversas vezes tentei que o Aguinaldo respondesse o que, afinal, ele fez com o acervo do jornal, pela via do seu blog – Nenhuma resposta.
Aguinaldo Silva terminará entrando para a história – a se confirmar que destruiu o acervo do Lampião da Esquina – como o Rui Barbosa do movimento homossexual brasileiro. Afinal, foi justamente Rui Barbosa a personagem que determinou a destruição dos arquivos referentes a história do escravismo no Brasil. A sorte foi a preservação (mais por inércia, do que compromisso histórico) dos processos judiciais –  processos crime e inventários, sobretudo – que na contemporaneidade, com apenas 5, 10 anos de findos estão sendo eliminados dia a dia (a política de digitalização é para os autos correntes). Alega-se não haver recursos e espaço suficiente para a sua conservação.
Outra questão sem resposta é de parte do acervo do João Antonio de Souza Mascarenhas, que não se sabe qual o seu paradeiro.

O atual Superintendente de Direitos Humanos, Coletivos e Difusos (SuperDir) do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Nascimento, certa noite, saindo do GAI quando ainda na rua Monte Alegre, rumo ao Estilo da Lapa, me disse que uma parte Mascarenhas havia doado ao Grupo Arco Íris e que eles (do GAI) estavam elaborando projeto com vistas a obter financiamento para a sua conservação/restauração, catalogação e disponibilização pública.

Quando da conturbada gestão da ex-presidente Gilza Rodrigues, perguntei à mesma sobre. Respondeu-me que desconhecia tal acervo no GAI.
Para onde foi, por exemplo, o enorme acervo de livros, jornais, revistas, nacionais e internacionais de João Antonio Mascarenhas?
– Na Unicamp não está. No GAI, não se sabe, nunca se viu.
Anos após sua morte, alguém detentor do acesso a sua intimidade, encarregado de cuidar do acervo remanescente (a parte não doada por ele à Unicamp), fez uma outra doação ao  Arquivo Edgar Leuenroth. Os livros, contudo, não constam entre o material encaminhado.
Para dar uma idéia do caos que é a (não) preservação da memória histórica do ativismo LGBT, já encontrei, por duas vezes, material do acervo pessoal de Mascarenhas em sebos (alfarrábios) pela cidade.
– O exemplar autografado do livro do psiquiatra e ex-integrante do GRUPO TRIÂNGULO ROSA, Paulo Fatal – Invicta, Aids Aqui:
– O exemplar, corrigido à mão pelo próprio Mascarenhas, do seu livro A Tríplice Conexão, editado pela 2AB Editora Ltda:
 Pena que apenas localizei esses dois. Quisera ter tido a ventura de haver encontrado muitos, muitos outros – de preferência, todos eles.

Podem imaginar o significado do desastre dessa dissipação?

Custa crer que Mascarenhas não tenha tido o cuidado de deixar instruções sobre a destinação de seu acervo bibliográfico e, de forma coerente com a sua trajetória, tê-lo destinado ao acesso público. 
 Lamentável tudo isso. Falta-nos o senso de que, ao fim e ao cabo, o verdadeiro proprietário da memória histórica do país – em todos os seus setores – é o seu povo. 
Hoje, com as linhas de financiamento disponíveis, a preservação, restauração, catalogação e disponibilização pública é factível. Basta sensibilidade, compromisso histórico, determinação nesse sentido.
O Grupo Dignidade-Curitiba, de forma louvável, organizou em 2007 o Centro de Documentação Professor Dr. Luís Mott e, nele, tornou possível a digitalização de toda coleção de exemplares do jornal Lampião da Esquina, com isso agora acessível a qualquer pesquisador, de qualquer parte do mundo.
É simplesmente indizível o significado desse gesto, seja para a comunidade mundial de pesquisadores, seja para os militantes interessados pela sua história.
Em visita à Unicamp, com tristeza constatei a péssima qualidade de muitos microfilmes do acervo LGBT ali depositado. 
Não creio seja difícil a associação de pessoas com senso de compromisso social e histórico e em posição capaz de atuarem para viabilizar uma linha de financiamento suplementar ao Arquivo Edgar Leuenroth, especificamente ao acervo LGBT. Muito ao contrário.
– Por que não se promover uma concertação nesse sentido, Campinas e São Paulo sendo cidades detentoras de instituições universitárias de pesquisa de reconhecimento nacional e internacional na área de humanas e de sólidas e atuantes organizações do movimento LGBT?
A iniciativa do Grupo Dignidade/Curitiba deve e merece ser disseminada por todo país. Não é nenhuma utopia inexequível se promover a restauração/conservação do material depositado na Unicamp e, poisteriormente, digitá-lo e disponibilizá-lo na rede mundial de computadores – o material cuja tipologia exija, pode ser acessado através de identificação e cadastro do/a pesquisador/a via on line na própria instituição.
Quanto ao acervo bibliográfico pessoal de João Antonio de Souza Mascarenhas e do jornal Lampião da Esquina, quem souber alguma notícia, rogo que entre em contato.
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