Essas perguntas me foram encaminhadas pelo Vitor Ângelo há coisa de um mês. Problemas de tempo ainda não permitiram que ele fizesse uso do material. Estou publicando aqui, pois certamente ele terá que fazer uma edição lá no blog onde pretende publicá-la. Por outro lado, a questão da RPU-ONU, que fazia referência, perdeu o “time”.
Quem está acompanhando o assunto já sabe qual foi o papelão do governo do país que se pretende ser o líder internacional do continente. – Triste!
1 – Muitos acreditam que com os acordos com bancadas fundamentalistas, uma forma de conseguir alguma lei ou que o assunto sobre os LGBTs no Brasil não fique pra debaixo do tapete é tentar a pressão internacional. Você acredita neste caminho, por quê?
R = Sim. Sou uma das pessoas que vem defendendo há tempos essa alternativa.
Entendo que, diante da conformação que temos tido no Congresso desde a constituinte, com bancadas teocráticas obscurantistas, reacionárias, teocráticas, que tem atuado em total desrespeito ao primado do estado secular e, via de consequência, da própria República, da Constituição e da Democracia – regime no qual os direitos das minorias devem ser protegidos e respeitados –, torna-se necessário o recurso aos organismos internacionais de proteção aos direitos humanos, como se deu, por exemplo, para a criação da Comissão da Verdade, para a promulgação da Lei Maria da Penha e mesmo para que se realizasse o julgamento do crime praticado contra a Maria da Penha pelo seu marido.
Diante dessa conjuntura, somente a intervenção dos organismos internacionais é que garantirá que o Brasil cumpra a sua Constituição e os acordos e tratados internacionais de direitos humanos que assinou e finalmente promulgue a lei punindo todas as formas de discriminação – inclusive aquela em face da identidade de gênero e/ou da orientação sexual.
Veja: a Constituição, que é de 1988 e ela determina a edição de lei fixando sanções para qualquerprática discriminatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI). Estamos em 2012. Ou seja, há 24 anos o nosso Congresso vem se recusando a tornar efetivo aquilo que a Constituição determina e precisamente em questão central para a vida democrática, que é o respeito à dignidade da pessoa, de qualquer pessoa. Em outras palavras, o nosso Poder Legislativo há 24 anos tem mantido o país em débito constitucional.
Não podemos aceitar – e não apenas os LGBTs, mas todos os cidadãos comprometidos com a democracia – que em nosso país as convicções religiosas de parcela da sociedade, independentemente se majoritária, sejam impostas à totalidade da população. Nosso país é diverso étnica, cultural e religiosamente. E assim deve continuar.
Defender a edição de lei punindo ações discriminatórias também em face da orientação sexual e ou da identidade de gênero – assim como a todas as demais formas de discriminação –, é defender o chamado mínimo legal, isto é, a garantia de uma vida livre de humilhação e violência. Ninguém tem o direito de pretender manter um indivíduo ou conjunto de indivíduos à margem da proteção de sua dignidade pessoal.
2 – O que está sendo feito de importante neste sentido, de pressionar os órgãos internacionais? Tem alguma ou algumas campanhas que você acha relevante ressaltar?
R = Penso que o mais importante é a tomada de consciência da própria comunidade LGBT, a sua percepção de que são eles, cada um deles, os verdadeiros ativistas, os verdadeiros agentes de transformação de sua vida e história. Somente após essa conscientização é que se começou a oferecer denúncias aos organismos internacionais e a exigir isonomia na punição à discriminação.
Não pode haver hierarquia entre as motivadoras da discriminação. Todas elas devem ser combatidas e penalizadas por igual. É inadmissível se pretender que os LGBTs aceitem ver a violência fóbica a eles cotidianamente desferida receber um tratamento legal diferente das outras manifestações de preconceito – como a religiosa e a étnica, por exemplo.
A Conectas Direitos Humanos, a Justiça Global, a SPW (Observatório de Sexualidade e Política), a ABIA, a Plataforma Dhesca Brasil, o grupo Católicas pelo Direito de Decidir (CDD BR) e diversos militantes independentes tem efetuado denúncias tanto na OEA quanto na ONU e cobrado posição coerente do governo brasileiro.
3 – Temos agora o PT no poder com seus acordos com bancadas reacionárias e muitos militantes gays estão envolvidos com o partido. Isto prejudica no que fazer a tal pressão internacional?
R = O atrelamento do movimento LGBT ao Partido dos Trabalhadores, como a qualquer partido, produziria a perda da autonomia do movimento. Contra isso parte majoritária dos militantes da primeira geração do movimento homossexual sempre se bateu. Era uma das suas características mais fortes. A defesa da autonomia e da independência era algo tão visceral que levou a alguns equívocos, como por exemplo, a recusa de determinados ativistas em participar de manifestações de outros movimentos sociais.
Lamentavelmente os ativistas LGBT do PT, que se hegemonizaram na condução do movimento através do modelo ONGs de prestação de serviços assistenciais, não mantiveram a necessária separação entre os interesses do partido e os do movimento. Deixaram-se pautar pelos interesses do partido, com suas coalisões entre os setores mais reacionários e obscurantistas e pelos interesses de sobrevivência suas ONGs, em razão do financiamento governamental aos seus projetos sociais. No conflito de interesses entre o governo de coalisão com o que há de mais reacionário e fundamentalista, a viabilidade de suas ongs e o movimento LGBT, permaneceram e permanecem à reboque daquele.
Há quem diga que o governo Lula fez muito mal aos movimentos sociais, precisamente pela desmobilização e, em alguns casos, cooptação que produziu.
– Com o movimento LGBT foi exatamente isso o que ocorreu. Desde 2001, que é a data do projeto de lei que se transformou no PLC 122/06, os números da violência fóbica contra LGBTs só tem aumentado. E ao longo de todo esse tempo não se viu ações firmes, vigorosas por parte dos ativistas hegemônicos. Sem independência e autonomia, dominados pelo conflito de interesses, ficaram paralizados defendendo o discurso oficial do governo.
4 – Teve algum caso que a causa partidária foi maior que a militância LGBT?
R = Um exemplo eloquente nesse
sentido é o caso Renildo José dos Santos, o vereador assumidamente gay de Coqueiro Seco, AL, barbaramente assassinado em 1993.
– Até hoje, passados 19 anos, os réus, condenados, não foram recolhidos ao cárcere. Todos permanecem em liberdade, impetrando recurso após recurso, tentando visivelmente obter a prescrição punitiva (prescrição no direito do Estado em executar a pena fixada).
O mandante do crime, agora com a sua avançada idade, provavelmente jamais cumprirá a pena.
Ao longo de todos esses dezenove anos jamais qualquer ativista hegemônico colocou os seus conhecimentos, tempo e recursos à denúnciar dessa infâmia perante as organizações internacionais de direitos humanos. – Por que? Por que, se participaram da elaboração do projeto de resolução da ONU pró-dignidade LGBT, apresentado pelo governo brasileiro em 2004 – retirado depois, em razão da intransigência e retaliação dos países árabes? Porque apresentar tal proposta de resolução colocava o Brasil em posição de vanguarda no âmbito internacional, atendia aos desejos de preeminência internacional do país governado pelo PT. Denunciar os “malfeitos” nacionais, ao contrário, revelava ao mundo a verdadeira face da impunidade e violência existente no país. Daí porque durante muitos e muitos anos o Grupo Gay da Bahia e sua tenaz e sistemática mensuração possível da homofobia nacional, desde 1981, era repudiada e desqualificada, com acusações de que disseminava uma péssima imagem do país. – Para certos militantes, o problema não é a ilegalidade, a impunidade; o problema é que isso seja divulgado internacionalmente.
5 – Como podemos ajudar a pressionar os órgãos internacionais e quais que valem a pena serem acionados?
R = Penso que todas as pessoas que entendem a democracia como um valor podem e devem ajudar. E em todos os espaços possíveis.
O país encontra-se em vias de apresentar o seu posicionamento sobre as recomendações recebidas por ocasião da Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos da ONU – se aceita (e quais aceita) ou rejeita (e quais rejeita). O prazo é setembro.
Precisamos garantir que o governo se posicione acatando as da Finlândia (que recomenda a garantia efetiva da isonomia sociojurídica entre as conjugalidades homo e heterossexuais e o efetivo combate à violência homo, lés e transfóbica, inclusive com a edição de lei específica).
Precisamos tambem garantir que o governo REJEITE as recomendações do Vaticano e da Namíbia, pois violam o princípio da apartação entre religião e estado e instituem uma discriminação em função do tipo de família, o que é expressamente proibido pela Constituição.
Para isso é necessário que nos dirijamos ao presidente de cada uma das casas legislativas (Senado e Câmara) e das comissões de direitos humanos em cada uma delas, bem como a todos os demais deputados, senadores, ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ministro da Justiça, e Presidência da República, solicitando esses posicionamentos do estado brasileiro em setembro à RPU-CDH-ONU.
Fora isso, na página da OEA existem informações sobre como efetuar as denúncias. Há tambem grupos auxiliando esses encaminhamentos.
É o caso das lésbicas, cujas violações específicas devem ser encaminhadas sob a forma de breve relato para
cesarmacego@ig.com.br. Também é o caso do Grupo de Trabalho
da Unidade para os Direitos das Lésbicas, Gays, Pessoas Trans, Bissexuais e Intersex (Unidade) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, cujo email é cidh_lgtbi@oas.org.
Outra forma importante de exercício do civismo, isto é, do compromisso com a democracia, com a Constituição e com a construção de um país mais justo é não eleger religiosos que buscam se utilizar do cargo (parlamentar ou executivo) para impingir a sua convicção religiosa privada a toda a população. Nosso país é uma república democrática constitucional, não religiosa.
O voto é fruto de longas décadas de muita luta. Muita gente sofreu, foi perseguida, presa, espancada, morta apenas porque reivindicava a prerrogativa de votar como um direito de todos.
Hoje votam as mulheres, os pobres, os jovens de dezesseis e dezessete anos, os analfabetos. É uma grande conquista dos movimentos sociais. É preciso que tenhamos consciência desse significado e dessa história. O voto é um direito, uma arma que dispomos para fazer com que nossa voz tenha representação. O parlamentar e os chefes dos executivos (municipal, estadual e federal) são nada mais do que representantes da população. Detem um mandato, falam e agem em nosso nome, não em nome próprio. O seu poder vem do povo e não ao contrário.
É um momento de muita seriedade, muita responsabilidade, as eleições. Essas pessoas, eleitas, realizarão ações que atingirão a nossa vida, os nossos direitos, o nosso patrimônio, a nossa liberdade. É necessário muita atenção, cautela. Há que se pesquisar sobre os reais interesses e compromissos dos candidatos. Um aspecto bastante importante é o volume de recursos empregado na campanha. Campanhas muito caras desconfie. Os grupos financiadores estão realizam um investimento e irão cobrar o retorno, depois. E nós estamos cansados de saber as formas pelas quais esse investimento vem sendo pago às custas dos tributos que nós pagamos e que não revertem em benefício da população. Nós, todos nós, temos alguma responsabilidade diante desse estado de coisas. A nossa omissão fortalece esses esquemas espúrios.