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Babados da hora

VISIBILIDADE LÉSBICA E A HISTÓRIA DO FERROS BAR

O texto hoje é de autoria de Marisa Fernandes, historiadora e ativista lésbica, oriunda do movimento lésbico, surgido no interior do grupo Somos/SP*. Trata-se de importante relato com  precisa descrição do Ferro´s Bar, território de sociabilidade e memória das entendidas e sapatonas em São Paulo, palco de valorosa ação de protesto contra a proibição de se continuar a distribuir no local o boletim do grupo, protagonizada por Rosely Roth, com o apoio de outras companheiras do grupo e frequentadoras do bar, além da solidariedade do movimento feminista, de parlamentares, como a vereadora Irede Cardoso, e de gays do movimento homossexual.

Visibilidade lésbica e a história do Ferro’s Bar
Por Marisa Fernandes
Há 24 anos, umas cem lésbicas deram sentido a Visibilidade Lésbica, definindo a data de 29 de agosto, como Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Há 37 anos ocorreu o levante das lésbicas no Ferro’s Bar marcando o dia 19 de agosto, como Dia do Orgulho Lésbico há 17 anos.
Nunca se tratou de rivalizar quais das duas datas têm maior significação, haja vista o respeito que existe por elas. Ambas são advindas de ações políticas das lésbicas.
Este texto quer apresentar, que existiram outras lésbicas, que sem se darem conta de que também faziam política, inauguraram um cenário, onde à visibilidade e a existência lésbica se configurava. Por meio da História daquele cenário, as frequentadoras do Ferro’s Bar permitiram que no período noturno, por mais de três décadas, alí fosse um ponto de encontro das lésbicas, que já não precisavam mais se sentir as únicas no mundo e, portanto solitárias. Havia sim um lugar de socialização que as fortalecia. O Ferro’s Bar já existia há 18 anos quando o primeiro grupo organizado de lésbicas feministas, o FL, posterior GALF surgiu na Capital paulista e teve forte atuação e vínculos com o Ferro’s. O levante das lésbicas ocorrido em 19 de agosto de 1983 foi no Ferro’s. Assim esse Bar faz muito sentido nas vidas de inumeráveis lésbicas.
O surgimento do Ferro’s, em 1961 foi intimamente ligado à inauguração da matriz da TV Excelsior, canal 9, em 09 de julho de 1960, na cidade de São Paulo. No final deste mesmo mês, a TV alugou, para seus estúdios, o Teatro de Cultura Artística, na Rua Nestor Pestana, 196, no Bairro da Bela Vista/Bixiga, de onde transmitiam e gravavam seus programas e shows. De acordo com o CPDOC, das Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, a Excelsior permaneceu neste local até o ano de 1967.
Durante toda a existência do Ferro’s, ele esteve localizado no mesmo endereço, Rua Martinho Prado 119, em frente à sinagoga no Bairro da Bela Vista.
Nas proximidades da TV Excelsior, de acordo com o ator Emiliano de Queiros, para a turma de teatro havia dois Bares e Restaurantes. Um era o Ferro’s, “que não tinha o glamour do outro, o Gigetto, mas a comida era baratinha, além de ser um bar liberal, heterogêneo e festivo.”
Nos seus primeiros anos, o Ferro’s era frequentado por artistas, boêmios, jornalistas, intelectuais, periféricas prostitutas e, consta que até o golpe de 31 de março de 1964, por ativistas comunistas. Outro fato importante e curioso é que em 1967, as mesas eram ocupadas por casais de mulheres, virando um ponto de encontro para lésbicas.
O Ferro’s tinha 40 mesas, capacidade para até 200 pessoas, funcionava de segunda a segunda, a partir das 7h00 e não tinha música ambiente. A sua frequência diurna era muito distinta da noturna, isso é fato.
Como bons portugueses, os proprietários colocaram logo na entrada do Bar uma imagem de Nossa Sra. Aparecida e azulejaram as paredes com azulejos azuis, nas colunas arredondadas e enfileiradas no corredor, que iam do chão até o teto, metade era de azulejo azul e a parte superior de espelhos, no teto os ventiladores, a decoração das paredes superiores eram bonitas, mostrando populações tradicionais brasileiras. Banheiro para as mulheres? Um transtorno, pois era apenas um.
Por que se chamava Ferro’s?
Essa questão, por anos me ocupou a curiosidade. Foi na descoberta de documentos oficiais daquele estabelecimento comercial que descobri a resposta.
Quando o Ferro’s fechou e foi vendido, teve início uma obra, para reformas. Eu e minha companheira à época, Rosana Zaiden fomos até lá e pedimos para os operários permitir nossa entrada para fotografar. No meio de tanta destruição encontrei uma caixa, com uma porção de documentos, que trouxe para minha casa. Foi dentre eles que descobri que o nome do estabelecimento, era o sobrenome de dois dos seus três sócios proprietários. Os irmãos José Ferro Monteiro e Anibal Ferro Pereira. Não sei por que, o nome completo do Antonio era somente Nunes Pereira. Está aí, o nome dos irmãos Ferro’s.
Os documentos recuperados, são de distintas naturezas, como movimento de entrada e saída de produtos, contratação de funcionários, expedição de salário família, 13º, adesão ao FGTS, mas não seguem uma ordem das datas. Estão disperso entre 1964 até novembro de 1999.
Teria sido esse, o último ano de existência do Ferro’s Bar? Alguém sabe exatamente quando ele fechou? Fica a provocação para ampliar a pesquisa.
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*Esclarecimento: Recebemos um comentário da senhora Míriam Martinho, com acusações e citações de artigos da lei de direito autoral e do Código Penal(!!!), simplesmente para apontar o meu equívoco pessoal – que ela imputa a um “crime” da senhora Marisa Fernandes: o fato de, no bloco de apresentação do texto e autora, eu haver referido Marisa como “uma das responsáveis pelo ChanacomChana.” – Lamentável, tanto o estilo quanto o embasamento jurídico que a senhora Míriam maneja (tão mal). Poderia perfeitamente ter obtido o mesmo resultado sem obrar tão feio.
Quero esclarecer à senhora Míriam, cuja leitura obnubliada não permitiu compreender, que o texto do box é de minha autoria, Rita Colaço-Rodrigues, e não da autora do texto apresentado. Se, conforme a própria senhora Míriam, Marisa declarou em entrevista para “uma tese” que não participou da coordenação/editoria do periódico, não seria aqui que ela diria o contrário. – Simples assim.
Por fim, esclareço a todas as pessoas que frequentam este espaço que, sim, é nosso compromisso a pesquisa, a valorização e a divulgação de nossa história. Qualquer equívoco, imprecisão, incorreção que encontrarem, por gentileza, nos comuniquem. Nenhum problema temos em reconhecê-los e retificá-los, desde que comprovado o equívoco. E por comprovar, esclareço, não significa textos escritos na Wikipédia.
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